Ameaças, agressões e assassinatos. O ranking anual que mede a liberdade de imprensa no mundo, divulgado pela ONG Repórteres sem Fronteiras, mostra que o Brasil continua sendo um dos mais violentos para a imprensa e que muitos jornalistas são mortos devido ao seu trabalho. É o segundo ano consecutivo que o país cai na lista e, agora, ocupa a 111ª posição entre 180 nações. O relatório aponta que o principal culpado por essa queda é o presidente da República Jair Bolsonaro. De acordo com o levantamento, “insultos, difamação, estigmatização e humilhação de jornalistas passaram a ser a marca registrada do presidente brasileiro”.
Sobre este cenário ameaçador ao exercício da profissão de jornalista, o Edição do Brasil conversou com Alessandra Mello (foto), repórter e presidenta do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais (SJPMG).
Como você definiria a importância da liberdade de imprensa para a sociedade?
A liberdade de imprensa é a garantia que os meios de comunicação de qualquer nação sejam livres para dar voz ao cidadão, as pessoas se expressem e assegurem o contraditório. No Brasil, nossa liberdade de imprensa é “meia-boca” porque temos uma grande mídia muito concentrada nas mãos de poucas famílias e, geralmente, subordinada a interesses que não são compatíveis com as preferências públicas. Mas, ainda que não seja plena, ela é importante e precisa ser garantida mesmo que a duras penas, como no Brasil, um país que até hoje não regulamentou a sua Constituição para evitar propriedade cruzada dos meios de comunicação.
Hoje, essa liberdade está sob ataque em função dessa propagação de fake news. Isso é muito ruim, visto que quanto mais democrática é a nação, maior é a independência da mídia. Portanto, ela serve como um termômetro para democracia e precisamos estar atentos, pois quando começam a atacá-la, especialmente da maneira como estamos vendo, é um passo para o autoritarismo. Essas agressões que a imprensa e os repórteres em geral vêm sofrendo são alarmantes e devem ser uma preocupação de toda a sociedade.
O Brasil é uma das maiores economias do mundo e ocupa uma posição no Ranking Mundial de Liberdade de Imprensa incompatível com a de grandes democracias. Como isso afeta a imagem do nosso país perante o mundo?
Essa queda brusca que o Brasil vem tendo ano após ano no ranking também está relacionada com as violências contra os jornalistas, que é um dos quesitos que medem o nível de autonomia, e também aos ataques contra defensores dos direitos humanos. Isso é péssimo para qualquer nação do mundo. É um sinal que vivemos um período de autoritarismo e que pode descambar para uma história que a gente nunca mais quer que volte: censura, tortura e empastelamento de jornal. Isso mancha a reputação do Brasil perante o mundo. Infelizmente, a imagem do nosso país está péssima por vários motivos, esse é só um deles.
Na sua análise, a quais fatores podemos atribuir essa nova queda na classificação?
Isso tem a ver com a perseguição judicial e com o desacato impetrado pelo presidente da República Jair Bolsonaro, a pessoa que mais ataca a imprensa brasileira e estimula agressividade contra jornalistas. A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) realiza um levantamento das lives, discursos e entrevistas do presidente para monitorá-lo e é raro o dia em que não há um insulto a um veículo ou jornalista. Portanto, essa queda é atribuída a Bolsonaro. O movimento de ultra direita sustenta a informação falsa, pois ele precisa de fake news para sobreviver e a imprensa e o jornalismo combatem e desarmam essa estratégia.
Ser jornalista é uma profissão de risco no Brasil atual?
Infelizmente, sim. É um risco devido à violência que cresce todo dia. Quando você acessa o site da Fenaj constata que toda semana há uma agressão contra jornalistas. Antes, ela era basicamente verbal, uma ameaça ou uma pressão pelas redes sociais. Hoje, jornalistas são agredidos fisicamente. Algumas semanas atrás uma equipe de reportagem do Espírito Santo foi alvo de pessoas que passaram, dentro de um carro, atirando enquanto gravava uma matéria. Por sorte, ninguém ficou ferido. Além da questão da violência, existe hoje uma precarização das condições do trabalho jornalístico, assim como dos salários que estão baixíssimos. Um mercado horroroso em que sobra mão de obra e falta vaga, o que é uma pena porque a profissão de jornalista é relevante para sociedade. Todas as ocupações são importantes, mas o jornalismo é um ofício ligado aos direitos humanos e que garante a oportunidade de pessoas oprimidas serem ouvidas.
Como a pandemia da COVID-19 piorou o exercício da profissão de jornalista?
A crise sanitária aprofundou o que já era ruim. Agravou a quebradeira dos meios de comunicação e acentuou o excesso de trabalho. Isso porque grande parte dos jornalistas está em home office sem nenhum apoio da empresa, não contam com ajuda de custo, assumiram a conta de luz, telefone, água, trabalham o dia inteiro e não recebem hora extra. Fora isso, ainda existe um comportamento negacionista de uma parte dos meios de comunicação que parece não perceber a gravidade da doença e mantêm redações cheias e sequer fornecem equipamentos de segurança. Um levantamento sobre mortes de jornalistas pela COVID-19 no mundo, disponível no site da Fenaj, mostra que o Brasil lidera o ranking de profissionais da comunicação vítimas da doença. Isso é lamentável.
Quais são os desafios que jornais e jornalistas precisam enfrentar para subir no ranking?
O desafio do jornalista é diferente do enfrentado pelo dono do jornal. O proprietário do veículo precisa ser mais efetivo na cobrança da apuração e no combate da violência ao jornalista. Os donos de jornais têm muito mais poder que as entidades de classe para movimentar essa pauta. A responsabilidade do patronato é perceber o seu dever no amparo de seu funcionário, na defesa da liberdade de imprensa e ser mais duro nessa cobrança de medidas contra essa violência. Quando os jornalistas estavam sendo atacados pelos bolsonaristas no “chiqueirinho” da Presidência da República, muitos jornais se recusaram a retirá-los da cobertura. Falta coragem e responsabilidade. Já para os jornalistas é o desafio de sempre: remar contra a corrente. Quem trabalha em pequenos, médios e grandes jornais sabe da dificuldade de fazer com que a notícia flua como deve. Precisamos ter coragem e caminhar mais juntos na luta pela garantia do exercício da profissão e da importância do jornalista. Nosso papel é combater e lutar para ampliar os limites impostos pela censura, pela violência e pelo poder econômico e político.