Um levantamento do instituto Ipsos, realizado entre 23 de dezembro de 2020 e 8 de janeiro de 2021, mostrou que metade dos brasileiros entrevistados sente solidão “muitas vezes”, “frequentemente” ou “sempre” durante a pandemia. Em segundo lugar vieram os turcos, com 46%, seguido pelos indianos (43%) e pelos sauditas (43%). Na outra ponta do ranking, os holandeses são o povo que menos sofre de solidão (15%), seguidos pelos japoneses (16%) e poloneses (23%).
Além disso, 52% dos participantes da pesquisa realizada no Brasil inteiro afirmaram que esse sentimento de solidão cresceu nos últimos 6 meses, enquanto 21% disseram que o semestre passado deve impactar na sua saúde mental no futuro.
Para a psicóloga Renata Borja, especialista em terapia cognitiva-comportamental, isso ocorre pelo fato de estarmos distantes de uma das coisas que o brasileiro mais gosta: o contato. “Quando as pessoas são obrigadas a fazerem um distanciamento, isso afeta e muito, pois elas estão acostumadas a terem um convívio social mais intenso”.
Nesta entrevista ao Edição do Brasil, Renata discorre mais sobre o estudo e afirma que é possível tirar lições positivas também deste cenário.
Por que o brasileiro é o povo que mais se sente solitário do mundo e como a pandemia influenciou nisso?
O brasileiro é comunicativo, alegre e solidário. Por aqui, gostamos de festa, de gente e de fazer amizades. Somos um povo diverso e que lida bem com isso de uma forma geral e a pandemia mudou essa realidade. Quando as pessoas são obrigadas a fazerem um distanciamento, isso afeta e muito, pois elas estão acostumadas a terem um convívio social mais intenso. O isolamento tem sido mais difícil para nós do que para outras culturas, em que os cidadãos já estão mais habituados com esse tipo de prática, pois são mais individualistas.
É possível tirar alguma lição do fato de ocuparmos o primeiro lugar no ranking da solidão?
Esse sofrimento pode trazer significado, aprendizado e nos ajudar a valorizar muitas coisas. Como no momento não há contato, no futuro iremos apreciar mais as conexões e estar com as pessoas. E pensar duas vezes antes de recusar um convite. Vamos ter uma ressignificação. É importante que a gente se cuide agora, que criemos novas formas de pensar e agir e busquemos nos conectar com as nossas próprias emoções. Temos que ter autocompaixão, que é a capacidade de entender que nem sempre tudo vai acontecer do nosso jeito, mas que está tudo bem.
O estilo de vida do brasileiro fomenta essa sensação?
Nós gostamos muito do toque, de abraçar e beijar. Somos um povo afetivo. Então, nesse sentido, nosso jeito de ser acaba por atrapalhar, uma vez que a pandemia trouxe diversas limitações. Esse tipo de proibição gera um incômodo gigante, uma insatisfação que faz com que as pessoas fiquem desorganizadas emocionalmente, ocasionando sofrimento.
O atual cenário político e econômico do país pode ter alguma relação com esse pódio?
Isso também pode influenciar muito. Hoje, vivemos uma polarização social em termos políticos. Membros da mesma família entrando em conflitos e sem se falarem. Sendo assim, criou-se no país uma cultura do cancelamento, que não era algo normal aqui. Há uma mudança cultural em processo e que influencia negativamente as pessoas, fazendo com elas se sintam mais sozinhas e isoladas. Se você está dentro de um grupo que pensa diferente, seja no trabalho, entre amigos ou família, você acaba se sentindo solitário e a pandemia só reforçou isso.
Em sua opinião, falta a promoção da importância de se cuidar da saúde mental no país?
A saúde mental está em alta. Esse alerta para esse cuidado tem acontecido com mais frequência, no entanto, ainda existe um preconceito que vem de uma cultura que diz que nós não podemos estar mal. Como somos um povo muito alegre, as pessoas possuem dificuldade de entender que elas podem sentir outras emoções, que é algo natural. Permanece uma cobrança cultural de que todo mundo esteja bem o tempo todo, o que é impossível e contribui para esse problema.
A gente precisa aprender a utilizar essas emoções de uma forma mais assertiva. Nós ainda estamos atrasados em relação à saúde mental no Brasil, em alguns países existe uma promoção desse campo já na escola, onde as crianças aprendem a validar esse sentimento do outro e a não julgar.
Como mudar esse cenário?
A principal forma de mudar isso é a educação. Temos que ensinar as pessoas desde a infância a lidar com suas emoções e entender que não há problema em sentir, mas sim na maneira de se portar mediante ao sentimento. Hoje, os indivíduos estão cada vez mais irritados e achando que tem que brigar o tempo todo e não é bem assim. Opiniões devem ser levantadas e, principalmente, respeitadas. Essa é a grande dificuldade do nosso país.
É importante ainda estimular a atividade física, o lazer e a alimentação saudável. As pessoas estão excessivamente focadas em problemas e se esquecem da solução. É necessário ensiná-las a resolver suas questões e não as jogarem para frente. Precisamos ser menos catastróficos e aprender a trabalhar o amor ao próximo, solidariedade e empatia.
Além de uma saúde mental em dia, quais poderiam ser as ações tomadas para diminuir a sensação de solidão do brasileiro?
Em primeiro lugar precisamos nos inserir em algo. Não é porque estamos em um período de isolamento que não conseguimos fazer isso. Podemos promover, por exemplo, grupos virtuais de leitura, de discussão sobre cinema e várias outras coisas. Mesmo dentro de casa é possível que as pessoas se abram umas para as outras.
É importante pensar: o que eu posso fazer para me sentir melhor em meio à solidão? Mesmo com a limitação, é preciso criar novas ações que irão promover outras respostas. Outra coisa fundamental é buscar sentido na vida. Viktor Frankl, psiquiatra austríaco, dizia que existem três coisas que geram isso: alguém para amar, uma obra para se dedicar e a espiritualidade.