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OMS e pandemia: ciência ou política?

A ciência, a filosofia, a economia e a política não têm fronteiras. E sendo frutos de reflexões mundanas e humanas, são recheadas de imprecisões e falhas. Dentre elas, é importante destacar que, ainda que fiquemos maravilhados com os avanços da ciência, não é prudente vê-la como uma verdade absoluta, e mais grave é vinculá-la a atividades partidárias. Essas áreas têm objetivos e finalidades diversas. Fundir política com religião, ciência com política, ou política com justiça não é recomendável para a humanidade e muito menos para a democracia.

Nesse sentido, a Organização Mundial da Saúde (OMS) deveria separar a política da ciência, ser transparente e explicar, por exemplo, a metodologia da China que, sob censura política, declarou a morte de apenas 5 mil pessoas pela COVID-19 (menos perdas do que no pequeno Ceará), apesar dos seus 1,3 bilhões de habitantes, em sua maioria aglomerados em espaços precários, com baixa qualidade de vida, falta de higiene e de saneamento. A Alemanha, país desenvolvido e com menos de 7% da população chinesa, já perdeu o dobro de pessoas: 10 mil. E nos EUA, com apenas um quarto da população chinesa, já morreram cerca de 170 mil pessoas.

E como esclarecer a divulgação tão desigual entre países vizinhos e de população similar, com 30 milhões de habitantes: a Venezuela, faminta e desorganizada, ter tido apenas 260 mortes, e, o Peru muito mais desenvolvido ter perdido 12 mil vidas? Vamos confiar nas estatísticas sobre a COVID-19 e nas orientações da OMS?

Os danos irreparáveis de Hiroshima, Nagasaki, Chernobyl, do Ebola, Bhopal, de Brumadinho são exemplos que ilustram que a ciência não é estática e muito menos unânime, e que o uso e a aplicação dela nem sempre é a melhor solução humana. Aliás, a ciência está em constante mudança ou evolução, logo, nada nela é absoluto ou definitivo. Há poucas décadas, pesquisadores diziam ser uma mera ficção a possibilidade de o homem visitar a Lua. Estudos genéticos de hoje já permitem a perspectiva de um humano com membros de animais – pesquisa aprovada pela ciência, mas, com certeza, inteiramente rejeitada à luz do direito e da moral.

Outra triste experiência indicadora que a junção da política com a ciência é inadequada vem das primeiras décadas do século XX, quando a ciência de países ricos e poderosos apresentaram a tese de que a raça branca/ariana era superior a todas as outras. Tese científica essa que foi adotada e fortalecida pelo cruel ditador Hitler, mas não inventada por ele. Outro ditador, o socialista soviético Stalin, também se apegou a importantes conclusões das ciências econômica e sociológica, bem como aos estudos científicos de Marx e Lenin para aplicá-los “politicamente” e, assim, justificar milhões de atos de crueldade, torturas e destruição em massa de vidas inocentes.

Diferentemente dos citados acima, a história nos oferece exemplos do inverso: Colombo, Galileu, Darwin, e outros imortais desafiadores dos conceitos predominantes da política, da ciência e dos sábios do seu tempo, mas hoje aplaudidos. Portanto, vale recriminar tal submissão a uma única voz, à luz do nosso escritor Nelson Rodrigues (1912-1980): “Toda unanimidade é burra”.

É inegável que o método científico torna as pesquisas e descobertas mais confiáveis e seguras para a humanidade, mas não torna a ciência infalível ou definitiva. A ciência encontra limites justamente naquilo que a desafia. O conhecimento já adquirido, a pesquisa e seus métodos, as ferramentas a serem utilizadas na investigação devem ser testados e até superados para que novo conhecimento se produza. Portanto, tende a ser falha uma política que tome uma única visão da ciência como verdade absoluta.

Indo além dessa desaconselhável união da ciência com a política, vemos que nesta crise causada pela COVID-19, seja por pressão da grande mídia, por interesse econômico de laboratórios ou hospitais, pelo abuso de decretos políticos, ou por decisões falhas do Judiciário, cresce a impressão de que aquele que se recusar a se submeter às “verdades” – autoproclamadas majoritárias – desta perigosa junção será rechaçado, amordaçado ou até mesmo “cancelado”. Já surgem até imposições políticas radicais sob o argumento científico/político para proibir o uso de certos medicamentos, censurar opiniões médicas, divulgar um número não confiável de mortes, e impor a opinião unilateral sobre saúde pública. Vivemos um momento estranho de crise que nos lembra a idade média, à uma quase ruptura do estado democrático de direito, à expressão de um fúnebre retrocesso político social.

A vida humana deve ser sempre protegida ao máximo, todavia, o oposto disso pode estar ocorrendo quando um grande radicalismo político, sob pretexto de seguir um pensamento cientifico, impõe a destruição da economia; a extinção das pequenas indústrias, comércios, escolas e empregos; a grave queda na arrecadação que poderá gerar fome, mortes e caos, justamente aos mais carentes nos países menos desenvolvidos, com um terrível agravamento das desigualdades sociais. Aliás, isso foi alertado pela própria OMS para a fase do pós-pandemia. São caminhos puramente desumanos! Torcemos para que o livre debate científico e político, com direito ao contraditório, retorne logo e, com ele, o bom senso, a liberdade, a transparência, o respeito à democracia e a dignidade da vida humana!

*Doorgal Borges de Andrada
Desembargador do TJMG, foi advogado, professor universitário, delegado, promotor de justiça, juiz de direito, sendo autor de inúmeros livros e artigos publicados

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