A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que cerca de 130 milhões de crianças no mundo tenham algum tipo de cardiopatia congênita, condição definida como um grupo de anormalidades na estrutura do aparelho cardiocirculatório, proveniente de uma alteração durante o desenvolvimento embrionário do bebê. No Brasil, de acordo com o Ministério da Saúde, são 10 casos a cada mil nascidos vivos, equivalente a 29 mil crianças com cardiopatia congênita anualmente. Dessas, quase 6% morrem antes de completar um ano de vida. Na apresentação grave da doença após o nascimento, a má formação pode ser responsável por 30% dos óbitos no período neonatal.
A presidente do Departamento de Cardiopatias Congênitas e Cardiologia Pediátrica (DCC/CP) da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), Klebia Castello Branco, explica que a condição pode surgir nas primeiras oito semanas da gestação, quando se forma o coração do bebê, causando insuficiência circulatória e respiratória, o que pode comprometer a qualidade de vida do paciente. Por isso, diagnosticar precocemente é o fator principal para que a criança cardiopata receba o atendimento correto no tempo necessário.
Ela acrescenta que as cardiopatias congênitas são a terceira principal causa de mortalidade infantil e por não serem evitáveis, o diagnóstico e o tratamento precoces podem, na maioria dos casos, reverter a doença. O chamado “sopro no coração” é uma das formas de manifestação de cardiopatia congênita, mas nem toda criança que tem sopro tem cardiopatia. “Existem alguns sopros chamados funcionais ou inocentes que não são doença no coração”, esclarece.
Segundo a especialista, em 80% dos casos não é possível apontar um fator causal. Porém, entre as possíveis razões despontam algumas condições maternas, como diabetes mellitus, hipertensão, lúpus, infecções como a rubéola e a sífilis, uso de medicamentos e drogas e histórico familiar. “Pais e mães portadores de cardiopatias congênitas apresentam uma chance duas vezes maior de gerar um bebê cardiopata”, afirma a médica.
De acordo com Klebia, os sintomas, quando visíveis, variam muito, mas podem se manifestar em falta de ar, cansaço, cianose (coloração azulada da pele), arritmias, síncope, hipertensão arterial e cansaço às mamadas, no caso dos bebês. Entretanto, parte dos pacientes é assintomático e só são diagnosticados a partir de um exame físico minucioso.
“Muitas mães só descobrem que seu bebê tem algum problema no coração após o nascimento quando o teste do coraçãozinho é realizado. Esse exame deve ser feito nos primeiros dias de vida, ainda na maternidade. Ele é feito com um oxímetro, que mede o nível de oxigênio no sangue do bebê e seus batimentos cardíacos. É um exame de baixo custo, rápido, não invasivo, indolor e obrigatório, oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O exame físico feito pelo médico também é importante, pois a sensibilidade do teste do coraçãozinho aumenta para 75% quando associado a essa conduta”, elucida a médica.
Também há a possibilidade de diagnóstico ainda durante a gestação, por meio do ecocardiograma fetal, único exame capaz de detectar uma cardiopatia congênita enquanto o bebê ainda está na barriga da mãe, feito entre 21 e 28 semanas de gestação. “Esse diagnóstico ainda na gravidez pode salvar muitas vidas, pois algumas cardiopatias precisam de intervenção e centro especializado assim que o bebê nasce. No país, pelo menos 50% dos casos são diagnosticados no pré-natal”, reforça Klebia.
O tratamento da cardiopatia congênita é feito conforme o quadro que a criança apresenta. “Alguns casos não necessitam de tratamento, uma vez que podem apresentar cura espontânea. As cardiopatias que evoluem de forma mais grave geralmente apresentam a opção de tratamento cirúrgico, algumas vezes realizado já no período neonatal, outras no lactente ou criança maior, conforme a necessidade. Atualmente, há a opção do cateterismo cardíaco terapêutico, que pode realizar procedimentos paliativos e até mesmo curativos”, diz.
Segundo a médica, o ideal é corrigir o defeito estrutural. “O prognóstico é muito bom, entretanto, a maioria dos pacientes necessitarão de seguimento com cardiologista mesmo após cirurgia para correção completa”.