Home > Destaques > Tanatopraxia: profissão que prepara corpos para velórios exige dedicação e ética

Tanatopraxia: profissão que prepara corpos para velórios exige dedicação e ética

Você já ouviu a frase “Nem parece que está morto, parece que está dormindo” ao acompanhar o velório de uma pessoa? O que, de início, pode sugerir uma intervenção divina, tem mais probabilidade de ser resultado de um trabalho bem realizado por um tanatopraxista, o profissional responsável pela conservação de um corpo e de sua maquiagem, chamada de necromaquiagem.

O objetivo da tanatopraxia é resgatar a boa fisionomia e conservar corpo para o adeus aos familiares. Alexandre Ferreira, 34, professor do curso, realizado pela Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte, explica que o primeiro passo é aguardar a autorização de tratamento, nela estarão indicadas informações importantes para o procedimento, como causa da morte e as preferências estéticas pedida pela família. Depois, dá-se um banho no cadáver.

Numa espécie de hemodiálise, troca-se sangue e secreções humanas por fluidos conservantes. “Fazemos uma incisão na região cervical para inserir o fluido arterial, tratar a parte interna e os tecidos do corpo. Depois é feita um corte, de no máximo 1cm, na região inguinal, onde é introduzida a vareta de aspiração e é retirado todo o líquido e secreção das partes internas do corpo e, por essa mesma pequena abertura, fundimos o fluido cavitário, que vai ajudar a conservar os órgãos”, diz Ferreira.

Tanatopraxista desde 2013, Ferreira costumava trabalhar como motoboy, mas só encontrou sua vocação ao pisar na Santa Casa para primeira aula de tanato. “Foi amor à primeira vista. Eu respiro tanatopraxia. Quando estou em casa, estou refletindo em como inovar na área”, fala com orgulho. Segundo o profissional, a regra é sempre tentar, independente das condições em que o corpo chega. “Em caso de acidentes automobilísticos, já pensei que não ia ter como reconstruir, mas sempre prezo pelo tentar e o resultado ficou fantástico e em condições de velar tranquilamente”.

Para ele, as principais características da profissão devem ser paixão, empatia e ética. “Tudo que fazemos na vida, precisamos gostar. Mas, particularmente, na tanatopraxia tem que gostar muito, porque lidamos com a parte triste na vida de qualquer um. E ética, pois nem tudo que se vê aqui pode ser divulgado. Estamos lidando com o familiar de alguém. É preciso o máximo de respeito pela pessoa que está ali”.

Atualmente, Alexis Rudini, 38, trabalha como agente penitenciário e professor de artes marciais, mas nascido em uma família de tanatopraxistas, tem no seu currículo 16 anos de experiência na profissão. Familiarizado desde criança com a presença de cadáveres, Rudini não se abala com a rotina de tanato. “A mim não afetou, mas trabalhei com uma colega por 3 anos que chorava com todo corpo que tratava”, lembra.

Rudini conta que vários casos o marcaram, entre eles o de um senhor que morreu aos 73 anos e que há quatro décadas usava um bigode. “Na ficha dele, estava escrito que era para barbear, entendi que era para tirar tudo. Nem os filhos dele já tinham o visto sem bigode, tirei todos os pelos. Quando uma das filhas foi buscá-lo para o velório, não o reconheceu. Ela me disse que eu tinha mudado toda a feição dele. Fiquei muito chateado”, relembra.

Em uma outra vez, Rudini tratou o corpo de uma mulher adventista. Segundo ele, o agente funerário fez um risco em cima da alternativa de maquiar. Na dúvida, Rudini optou por maquiar a jovem. “Passei batom, pó no rosto, arrumei o cabelo, deixei ela bem bonita. Mas, por causa da religião, ela não usava essas coisas. Foi pior, porque a família só abriu o caixão no velório, várias pessoas viram”.

Uma das informações que devem constar no documento com as especificações do procedimento é a causa da morte e a razão para isso é técnica. Em caso de mortes devido a motivos hepáticos é usado outro tipo de fluido. “Se for usado o comum, juntamente com o medicamento que ela tomou em vida, acontece uma reação e a pessoa fica verde”, explica Rudini.

No caso de um senhor que Rudini atendeu, de acordo com ele, não foi discriminado na ficha a causa do falecimento. “Apliquei o fluido comum e a pessoa ficou em tons extremamente verdes, chegava a ser fluorescente. Nesse caso, não teve como apresentar o corpo, o velório precisou ser com caixão fechado. Na época, a família me ameaçou de processo, mas foi um erro de várias partes”.

Para se tornar um tanatopraxista, a pessoa deve realizar um curso. Em Belo Horizonte, há duas opções. Um é oferecido pela Santa Casa, bimestralmente, com carga horária de 64h, dividida em partes teóricas e prática e pelo custo de R$ 2.422. A Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) também oferta o curso que custa R$ 2 mil. A média é de 20 alunos por turma.

De acordo com a Pesquisa Salarial da Catho Online, a média salarial para um cargo de tanatopraxista no Brasil é de R$ 1.332,76. Segundo o coordenador do curso ministrado na Santa Casa, na funerária do hospital, o piso salarial da categoria é de R$1.297 podendo chegar a R$ 2.800, conforme promoções do cargo. Já no interior do estado, com a mão de obra especializada escassa, um freelancer da área pode ganhar de R$ 2.500 a R$ 4 mil.