Há 2 anos, o Sindicato Único dos Trabalhadores da Saúde de Minas Gerais (Sind-Saúde/MG) notou que seus próprios servidores estavam doentes. Após meses de pesquisa, o diagnóstico foi traçado: de um universo de 4.700 funcionários da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG), incluindo os aposentados da categoria, 90% estavam superendividados, especialmente, com consignados e bancos.
Foi então que o sindicato da categoria e o Procon Assembleia, único apto a negociar com bancos, se uniram para esquematizar uma estratégia para acolher os superendividados e interferir no cenário que já afetava no desempenho dos trabalhadores. Para isso, foi criado o Programa de Apoio e Negociação ao Superendividado. “Sentamos com todos os bancos de cada servidor e dizemos: ‘Isso não é um calote. Ele vai pagar a conta, mas dentro da margem aceitável’”, explica Núbia Dias, diretora do Sind-Saúde/MG.
O programa é facultativo, o servidor interessado deve assinar um termo de responsabilidade em que se compromete a não contrair nenhum outro consignado até que as negociações se findem. Concomitante a essa fase, o endividado precisa realizar o curso de saúde financeira do programa. “Para que eles possam, no futuro, fazer sozinhos negociações ou não pegarem empréstimos com juros exorbitantes, contratos leoninos, etc”, diz Núbia.
De acordo com a Confederação Nacional dos Dirigentes Lojistas e do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC), cerca de 60 milhões de brasileiros estão endividados. E 30 milhões desses estão superendividados. Segundo o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), existem dois perfis de superendividados: o ativo e o passivo. O primeiro é aquele consumidor que consome além das possibilidades de seu orçamento. Já o segundo, as causas do seu endividamento excessivo são imprevistos da vida, como desemprego, redução de salários, separação, doenças, nascimento de filhos etc.
Não é preciso estar com o “nome sujo” para ser considerado um superendividado. Na verdade, muitos que se encontram nessa situação são bons pagadores, mesmo possuindo sua renda mensal quase ou totalmente comprometida. Isso porque pedem empréstimos e usufruem de outras linhas de créditos para não ficarem inadimplentes. O que causa uma bola de neve. “Descobrimos que mais de 90% dos servidores da SES-MG encontravam-se em características de superendividamento devido a consignados. Tinha servidor que no final do mês não recebia nem R$ 20”, conta Núbia.
A prática é ilegal. De acordo com a lei 10.820/2003, que regulamenta a linha de crédito, não importa se a pessoa fez vários contratos de empréstimo em bancos diferentes. A soma de todos as parcelas mensais descontadas diretamente na folha de pagamento não pode ultrapassar 30% do rendimento líquido do cidadão. “Tem servidor com dívida em 12 bancos e, somando, chega a 90% de comprometimento da renda líquida. Isso é ilegal se observamos o princípio constitucional de que o salário é inviolável, porque a pessoa precisa sobreviver”, esclarece diretora do Sind-Saúde/MG.
“O desespero toma conta”
Com o salário atrasado e defasado há uma década, a servidora da SES-MG, Mônica da Conceição, 56, se via numa gangorra financeira quando tentava administrar os problemas de saúde na família. “Para honrar os meus compromissos, como aluguel, remédios e alimentação, fui pedindo empréstimos. No princípio, eram os consignados que os bancos ligavam e ofereciam para servidores públicos. Depois, com os atrasos do governo, só consegui diretamente com os bancos, que são com juros altíssimos. Aí ou você aceita ou nada feito e, quando chega nesse ponto, o desespero toma conta”, relata.
Servidora há 28 anos da área da saúde, Mônica se afastou da família e adoeceu devido às dívidas. “Além de hipertensa e de problemas renais, fiquei diabética e desenvolvi psoríase por questão emocional. Não conseguia trabalhar e fugia de reuniões familiares”. Sua situação rebate a falácia de que para não se endividar, basta trabalhar. “Não tenho condições de lazer nem poder aquisitivo para coisas básicas sem depender de terceiros, o que é humilhante para quem trabalha desde os 13 anos. Não sou desocupada nem vagabunda, sou uma trabalhadora mal remunerada que, sem reservas financeiras, não tive como segurar a crise no estado”.
A servidora aderiu ao programa e está otimista. “Ele vai me ajudar a sair dessa situação e não ter que enfrentar a penúria no futuro. Aprendemos a não cair em armadilhas, verificar a melhor opção para negociar o pagamento das dívidas e outras formas de pequenas aplicações de até R$ 30 por mês”. Lançado no final do mês passado, a primeira fase de reeducação financeira vai atender 450 servidores em situação mais grave, para, posteriormente, atender àqueles que correm menos riscos.