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Independência individual de mães de crianças especiais é mais um desafio

Antigamente, o papel da mulher na sociedade era cuidar da casa e do filho. Hoje, a percepção tem mudado e cerca de 49,9% delas, segundo dados do último Censo demográfico, são ativas economicamente. Mas, mesmo com as mulheres ocupando cada vez mais espaço, ainda há quem julgue a mãe que, após a maternidade, não se dedica 100% ao filho, principalmente se essa criança apresenta alguma deficiência.

O professor de sociologia Luciano Gomes afirma que a sociedade evoluiu bastante na forma como enxerga a maternidade, no entanto, há quem acredite que a mãe, ao dar à luz, deve ficar cuidando exclusivamente da criança, mas isso é um discurso criado. “Por questões econômicas, muitas delas precisam retornar ao mercado de trabalho, outras simplesmente porque gostam da carreira e não querem abrir mão da vida profissional. Ela não deve ser condenada por essa atitude e isso não a torna ‘menos mãe’. Esse é um tabu que precisa ser vencido”.

Segundo ele, algumas regras reforçam a ideia, a exemplo a licença-maternidade, que dura de 4 a 6 meses enquanto que os pais recebem entre 5 a 20 dias. “É uma ideia de que o cuidado da criança é só da mãe e que o homem precisa voltar ao trabalho, afinal, ele é mais valioso para o mercado. Reforça também a máxima que diz que, no campo profissional, a gravidez é um problema, o que faz muitas mulheres adiarem o desejo de ser mãe”.

Para Gomes, a mudança deve ser feita em conjunto. “Tudo na sociedade inferioriza a mulher e na maternidade não é diferente. É preciso uma educação proveniente de todas as forças: estado, religião, escola e família”.

É necessário valorizar tanto a maternidade, quanto a mulher e seus desejos. “Elas são donas de sua vida, merecedoras de dignidade e, principalmente, do poder de decisão em relação à maternidade. Se não entendermos isso, não haverá progresso”.

Vencendo tabus 

A professora Andreza Ribeiro, mãe de Theo, 1 ano, relata que passou por uma fase delicada após o nascimento prematuro do filho que o deixou com uma deficiência visual. “Tudo ia bem até que tive pré-eclâmpsia que quase nos levou à morte. Ele nasceu com 29 semanas. Meu maior medo em relação ao meu filho sempre foi o preconceito, discriminação e qualidade de vida. Como mãe, o que mais desejo é a felicidade dele, mas temo que a deficiência impeça ele de ser feliz porque sei que há muitas pessoas cruéis por aí”.

Andreza conta que as pessoas esperam que a mulher assuma apenas o papel de mãe, sobretudo quando essas crianças exigem mais cuidados. “Porém, eu mantenho minha rotina, pois não quero esquecer que sou mulher, profissional, filha, amiga, etc. Não quero matar meus outros papéis para não perder a minha identidade como ser humano”.

Com o tempo, ela entendeu que, se não estivesse bem, não conseguiria ser uma boa mãe. “Costumo falar que filho feliz é fruto de mãe feliz. Se eu estiver bem, vou poder dar tudo para ele, ajudá-lo, ser presente de forma inteira e saudável. Então procuro cuidar do meu bem-estar, quando ele está com o pai, saio, visito os amigos, vivo. Claro que tem julgamentos, mas eu não me importo. Sei quem sou e sei o quanto amo o meu filho”.

A designer de sobrancelha Camila da Silva também segue trabalhando e saindo como qualquer pessoa após o período de internação de seu filho Lucas, que tem hidrocefalia. “A gente sofre muito por desconhecer a síndrome, às vezes pensamos que a pessoa é incapaz e isso não é verdade. O que a gente lê nos livros e aprende na escola não é a realidade”.

Contudo, ela já passou por situações de preconceito e comentários grosseiros com seu filho. Mas, para Camila, a parcela de pessoas negativas é pequena. “Prefiro considerar invisível, afinal, temos a sorte de ter uma família e amigos que nos amam e que entendem a minha vontade de continuar existindo mesmo sendo mãe. Todos sabem que, onde não cabe meu filho, não me cabe também”.

Afeto é a palavra que descreve a relação da vendedora Aline com seu filho Bernardo, 3 anos, que tem síndrome de Down. Ela conta que receber o diagnóstico não foi fácil. “Choquei, me desesperei e falei coisas com Deus que eu não devia, mas foi um momento. Depois, olhei para ele e vi que não tinha nada de diferente além de um amor incondicional”.

Aline sabe que sua situação é rara. “Sei que sou privilegiada por ter tanta estrutura e os aparatos necessários, seja psicológico, familiar etc. Reconheço que sou uma exceção das mães de especiais, mas também entendo que tenho um longo caminho a percorrer. Hoje, graças a Deus, enfrentamos esse caminho com alegria e amor”.

Esse apoio fez com que Aline não precisasse abrir mão de ser ela própria para maternar. “Nem por um minuto pensei em parar de trabalhar, pelo contrário. Eu preciso do meu emprego e assim que a licença terminou, voltei a minha rotina. Minha mãe fica com ele e, por isso, tive como voltar. Agora ele vai para a escolinha e ter esse auxílio também é muito bom”.

A mãe de Bernardo só tem uma certeza: o futuro será incrível. “Quando descobri a gravidez foi um susto. Não era um bom momento e, apesar de tudo, foi a minha maior alegria. Sempre quis ser mãe. Estou vivendo a melhor fase da minha vida e ver meu filho crescer feliz e cercado de amor é essencial. Não consigo ver um futuro ruim pra ele”, finaliza.