O anúncio do Ministério da Educação (MEC) sobre o bloqueio de 30% das verbas orçamentárias de universidades e institutos federais vem causando polêmica. Vários reitores fizeram críticas a decisão e disseram que o corte pode comprometer o funcionamento básico e até mesmo a qualidade do ensino. Para falar dos impactos dessa medida, o Edição do Brasil conversou com Catarina de Almeida Santos, professora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB) e coordenadora do Comitê DF da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
Como o governo tem tratado a agenda da educação?
O atual governo tem como pauta destruir o ensino público. Isso está muito claro desde a educação básica até a superior. E não podemos olhar essa questão de forma isolada. Quando vemos discussões de militarização das escolas e escola sem partido percebemos que está tudo atrelado a um mesmo projeto de destruição da escola pública e garantia de educação como direito social fundamental da nossa constituição. As propostas apenas retrocedem e não fazem nada que possa ampliar.
Os discursos dos ministros estão voltados ao encolhimento e privatização do setor público. Tentam vender para a população a lógica de que as universidades são muito caras, e inclusive, que precisam gastar menos na educação superior para investir mais na educação básica. Esse ano, o plano nacional de educação (PNE) completa 5 anos, ou seja, metade do seu período de vigência. Ninguém fala nada sobre essa questão e as metas a serem atingidas.
Quais são as justificativas para os cortes?
As justificativas anunciadas não correspondem com a realidade e são estranhas. Inicialmente, foram feitos cortes apenas para Universidade Federal Fluminense (UFF), Universidade de Brasília (UnB) e Universidade Federal da Bahia (UFBA). Eles disseram que essas instituições não estavam seguindo o que deveria ser feito, faziam balbúrdia e não estavam prestando um ensino de qualidade. No entanto, estamos falando de três universidades que aparecem no ranking das melhores. Se não tivessem com qualidade, a lógica deveria ser de investimento em melhoria e não cortes. Após toda a repercussão, o ministro disse que a medida valeria para todas as universidades e estendeu aos institutos federais.
O governo diz que o corte é uma questão técnica e não ideológica. Como você avalia essa afirmação?
Acredito que não existe corte técnico. Se há um contingenciamento dentro de um ministério, o governo precisa escolher de qual lugar cortar e se essa área vai prejudicar menos o campo da educação e a sociedade. Quando se decide pelas universidades e institutos federais e não de outras áreas, já temos claramente um viés ideológico.
Para fazer um contingenciamento dessa natureza, primeiro todos os envolvidos deveriam ser comunicados para tentar negociação, buscar outros caminhos e comprovar a real necessidade dos cortes. É preciso ter uma justificativa técnica e financeira para realizar os ajustes.
Os bloqueios podem passar de 30%?
A tabela de cortes mostra que foram bloqueados percentuais diferentes para cada universidade e instituto federal. Por mais que o governo diga que são 30%, algumas instituições tiveram um valor bem maior.
Como isso vai impactar as universidades e instituições federais?
O corte inviabiliza não só os programas e projetos, mas também o funcionamento básico da instituição que é a questão das aulas. Impacta em verba de energia, água e serviços de limpeza. As maiores dimensões só o futuro nos dirá, mas já temos sinalização dos reitores de que não será possível desenvolver seus trabalhos até o final do ano.
O Programa de Assistência Estudantil não foi afetado, mas impede a sua expansão. Existem cursos em que sair da sala de aula e ir a campo é fundamental. Também há projetos de extensão que envolvem a universidade e a comunidade, assim como os de pesquisa. Sem a verba não tem como dar continuidade e essas atividades essenciais para a qualidade do ensino sofrerão as consequências. Quanto mais a universidade pública é precarizada, mais as pessoas que precisam dela, como os alunos de baixa renda, são prejudicados.
As universidades e institutos podem ficar com dívidas?
Se o cenário não for revertido, as possibilidades são grandes. Mas a questão é se conseguirão concluir esse ano letivo. As universidades e institutos federais tentam se organizar de toda forma para se manter funcionando e não deixar cair a qualidade, mesmo com os cortes que vem sofrendo desde 2014 e que foram acirrados com a Emenda Constitucional 95. Esse novo bloqueio representa mais uma dificuldade a enfrentar. A verba já é baixa e, com menos 30%, fica inviável.
O ministro da Educação afirmou que o bloqueio pode ser revisto se a reforma da Previdência for aprovada. Qual o objetivo disso?
Esse é um argumento que tem como objetivo fazer pressão na sociedade e no Congresso para que a reforma passe. Não há uma justificativa técnica e financeira para essa questão, e sim política e ideológica. A sociedade brasileira precisa entender a importância da educação para o desenvolvimento do país.