Ainda não se tem dados oficiais de quantas pessoas possuem a síndrome de Down, mas, de acordo com o Movimento Down, é possível estimar que para cada 700 nascimentos, um é de criança nessa condição genética, ou seja, segundo essa conta, são cerca de 270 mil brasileiros. Apesar disso, apenas 74 estão ou já se formaram no ensino superior.
Também conhecida como trissomia 21, as pessoas com a síndrome ainda possuem vários desafios e barreiras e um deles é o acesso ao ensino.
Cléia Prado, psicopedagoga e especialista em educação inclusiva, afirma que as crianças com síndrome de Down conseguem ter uma vida normal, desde que seja respeitada suas diferenças. “Ela precisa ser estimulada desde o nascimento, seja na questão da fala, motora, interação, sociabilidade, etc. E esse trabalho precisa ser multidisciplinar, com médicos, fisioterapeutas, terapias ocupacionais, entre outros”.
A especialista diz ainda que, normalmente, a alfabetização acontece por volta dos 12 anos, algumas podendo ser mais cedo e outras mais tarde. “Elas têm musculatura hipotonia, ou seja, os músculos são mais flexíveis e por isso há necessidade de estímulo frequente. Devido a essa característica, as crianças vão demorar um pouco mais para falar e aprender a escrever”.
Outro ponto destacado por Cléia é o fato delas serem muito literais, o que também pode ser um dificultador. “Quando se fala para uma criança com síndrome a frase ‘a vaca foi pro brejo’, ela vai entender que a vaca realmente foi para um local chamado brejo. Mais tarde, na vida adulta, e com muito estímulo de leitura e interpretação de texto, ela vai saber que aquela frase tem outro sentido”.
Escola normal ou especial
Sancionada em 2015, a Lei Brasileira de Inclusão, ou o Estatuto da Pessoa com Deficiência, é uma adaptação da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência da Organização das Nações Unidas (ONU) que garante o acesso a direitos fundamentais, como saúde, educação, transporte, informação, justiça, etc.
De acordo com o artigo 27, “a educação constitui direito da pessoa com deficiência, assegurados sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizado ao longo de toda a vida, de forma a alcançar o máximo desenvolvimento possível de seus talentos e habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas características, interesses e necessidades de aprendizagem”.
A psicopedagoga fala que o estatuto é uma vitória. “Desde essa legislação, as crianças são obrigadas a frequentar a escola regular, independente da sua deficiência. O professor, nesse caso, precisa ter sensibilidade e conhecimento para reforçar o que há de bom e ajudar a desenvolver o que ainda não foi construído. Entretanto, é sempre válido ressaltar que a criança só vai conseguir atingir sua potencialidade se esse trabalho for feito de maneira interdisciplinar”.
Todavia, Cléia reitera que, apesar dos avanços, a inclusão ainda não é o ideal. “Há muitas conquistas a serem comemoradas, mas precisamos caminhar mais para chegar no melhor para essas pessoas”.
Quebrando barreiras
O contador Tomás dos Santos tem uma filha de 36 anos com Down. Ele conta que, nos últimos 5 anos, houve uma mudança significativa na forma como os outros enxergam essas pessoas. “Na época, não era comum alfabetizá-los e inclusão escolar nem se cogitava. Mesmo assim, sempre corri atrás. A Bruna nunca fez terapias e nós mesmos fazíamos, em casa, com orientação de uma neuropediatra. Ela sempre frequentou escolas regulares públicas e privadas, mas nunca exigimos alfabetização, nossa preocupação eram com a socialização que, no nosso pensamento da época, achávamos mais importante”.
A filha de Tomás, Bruna Santos, auxiliar de RH, conta que estudou em três escolas diferentes, sendo que uma era para alunos com deficiência. “Nas duas escolas regulares, eu era a única que tinha síndrome de Down. Gostava de todos os meus amigos e sempre conversava com as professoras, que era minhas amigas também. Mas não fiz amizades duradouras, tenho apenas uma colega no Facebook”.
O pai relata que ela demorou para ser alfabetizar, lia e escrevia, mas era limitada. “Com aproximadamente 19 anos, Bruna começou a se interessar pela leitura e escrita, então a colocamos em um curso de alfabetização de adultos. Porém, no currículo oficial tem apenas até a 5ª série”. Atualmente, Bruna é muito ativa, trabalha desde os 21, faz aulas de teatro, dança e está aprendendo a tocar violão.
A auxiliar de RH fala que sempre conseguiu deixar marcas por onde trabalhou. “Já atuei, por exemplo, no Mc Donalds, todos me tratavam bem e fiz algumas amizades. Para quem é adolescente e tem a síndrome, deixo um recado: nunca desista do seu sonho”.
Para finalizar, Tómas, que também é um ativista da causa, diz que, apesar de todo o progresso da sociedade e das leis, de nada adianta se os pais não mudarem a postura paternalista e superprotetora com os filhos. “Não existe nível ou grau na síndrome de Down, a diferença no desenvolvimento de cada um é resultado do meio após o nascimento e o mais próximo é a família”.