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Quase 3 milhões de crianças e adolescentes trabalham no país

Você provavelmente já presenciou algum menor trabalhando em semáforos, restaurantes ou, até mesmo, como engraxate. Infelizmente, essa é uma realidade vivenciada por quase 3 milhões de crianças e adolescentes no país, segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O número corresponde a 5% da população que tem entre 5 e 17 anos. Os dados também apontam que, desde 2013, o país vem registrando aumento dos casos de trabalho infantil entre crianças de 5 a 9 anos. Antes eram cerca de 70 mil, mas em 2015, ano da última pesquisa, os índices chegam a quase 80 mil crianças nessa faixa etária.

Para tratar sobre os impactos do trabalho precoce na vida de crianças e adolescentes, o Edição do Brasil conversou com Luciana Marques Coutinho, representante regional da Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente (Coordinfância) e, também, procuradora do Ministério Público do Trabalho em Minas Gerais (MPT-MG).

O que é caracterizado como trabalho infantil?

É todo o trabalho exercido por crianças e adolescentes abaixo da idade mínima legal permitida. A nossa Constituição Federal estabelece que adolescentes podem trabalhar com 16 anos completos. Antes disso, somente se for na condição de aprendiz, a partir dos 14 anos. Mas existem especificações para as atividades e algumas restrições, como não pode ser em instalações insalubres, oferecer perigo, em horário noturno (22h até às 5h do dia seguinte), e que possa prejudicar a moral ou desenvolvimento físico. Em relação ao horário, não se pode cumprir horas extras e nem trabalhar mais que 8 horas.

As empresas têm obrigação de contratar aprendizes?

Todas, com exceção das micro e pequenas, são obrigadas a contratar um percentual de aprendiz, que vai de 5% até 15% no máximo do seu quadro de empregados. Existe um contrato com regramento específico no artigo 429 da CLT. Nele, prepondera o aspecto educativo sobre o produtivo. O adolescente que é contratado como aprendiz vai ter que ser inserido, obrigatoriamente, em uma formação profissional. Então ele precisa dedicar parte de sua jornada a essa formação e outra as tarefas práticas.

Se não se pode trabalhar antes dessas idades, por que existem crianças e adolescentes trabalhando em novelas, filmes e outras atividades artísticas?

O Brasil aderiu a convenção de número 138 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), agência integrante da Organização das Nações Unidas (ONU), especializada em questões trabalhistas. Essa convenção prevê o trabalho artístico, ainda que seja fora das idades mencionadas. Mas para exercer a atividade existem alguns requisitos. Para a autorização de um trabalho artístico é necessário um alvará judicial. Toda vez que uma criança é contratada, o juiz vai avaliar uma série de questões para saber se aquele menor pode ou não exercer a função, como, por exemplo, se o trabalho não vai prejudicar o desenvolvimento da criança.

Trabalho Infantil é considerado crime? Quais as sanções previstas?

É considerado ilegal e proibido pelo ordenamento jurídico. Atualmente é muito raro encontrar empresas formais em situação irregular, embora existam casos. As pessoas que exploram a mão de obra infantil estão sujeitas a multas e podem sofrer intervenção do Ministério Público do Trabalho. Muitas estão trabalhando fora das possibilidades que a lei permite sem receber todos os direitos trabalhistas e previdenciários que são sonegados. Quem for flagrado está sujeito, inclusive, a pagar indenização pelo dano causado a moral da criança e, também, a sociedade.

Quais as consequências do trabalho infantil?

São inúmeras: atrapalha a saúde, o desenvolvimento físico e biológico da criança, porque, muitas vezes, ela é inserida em atividades nas quais seriam voltadas para um adulto e não tem um desenvolvimento corporal necessário para exercê-la. Os equipamentos também não são voltados para a idade dela, o que aumenta o risco de acidentes. O trabalho infantil causa isolamento social, priva as brincadeiras e o contato com outras crianças. Ainda tem a questão da escolaridade. Muitas vezes ela precisa deixar a escola para poder trabalhar. E mesmo que continue estudando, aquelas horas de trabalho vão acabar influindo no desenvolvimento escolar. Uma criança que cumpre uma jornada exaustiva não tem o mesmo rendimento de uma que não trabalha.

Como seria possível erradicar o trabalho infantil no Brasil?

É um problema complexo e que envolve uma série de questões. Não é só o Ministério Público do Trabalho que atua nisso, mas uma conjunção de vários órgãos que a gente chama de rede de proteção dos direitos da criança. Eles se unem para atuar, sendo cada um dentro da sua área de atribuição. Uma das grandes questões que temos atualmente e que precisa ser combatido são os mitos do trabalho infantil. Infelizmente, boa parcela da população ainda considera que isso é uma coisa boa e ajuda a criança. Dizem que é melhor o menor trabalhar do que estar nas ruas ou envolvido com criminalidade. Muitas vezes a sociedade passa a tolerar e até incentivar o trabalho infantil. Nós temos atuado de forma repreensiva, mas também tentando sensibilizar e orientar de maneira pedagógica para lutar contra esses mitos que violam os direitos humanos.

Quais são as leis que protegem a criança e o adolescente do trabalho infantil?

Existe todo um ordenamento jurídico voltado para proteção. Temos a Constituição Federal que prevê a proteção integral e a questão da idade permitida para trabalhar. As convenções internacionais da OIT, em que o Brasil é signatário como a de número 138, referente a participação em representações artísticas e a de número 182, sobre as piores formas de trabalho infantil. Nós também temos o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a própria CLT que tem artigos que tratam sobre a temática.

Como denunciar alguma forma de trabalho infantil?

Há o serviço do disque 100 e também é possível realizar a denúncia de qualquer irregularidade trabalhista por meio do site ou presencialmente no Ministério do Trabalho, além do conselho tutelar. Basta a pessoa preencher o formulário com os dados mínimos do fato e informar quem é a pessoa que está praticando a irregularidade e qual a situação que foi presenciada. Pode inclusive ser feita de forma anônima. Tudo será examinado por um procurador do trabalho.