“Eu gosto de fazer compras. Há alguma coisa errada nisso? As lojas estão lá para serem aproveitadas. A experiência é agradável e linda! A emoção que se sente quando se passa o cartão… E é tudo nosso”. Esta é a fala da personagem Rebecca do filme “Delírios de consumo de Becky Bloom”. No decorrer da trama, não resta dúvidas: Becky é consumista compulsiva e, assim como ela, 5% da população mundial e 3% dos brasileiros.
A psicanalista e doutora em psicologia, Izabel Haddad, explica que a compulsão, muitas vezes, é considerada um transtorno. “O limite entre a saúde e a patologia é muito tênue. A percepção de que se tornou uma doença é quando a pessoa tem um pensamento fixo e não consegue se livrar dele. No caso da compulsão, comprar faz a pessoa sentir prazer e ela cria o hábito justamente por conta disso”.
Izabel elucida que, dependendo da pessoa, o transtorno pode piorar com o tempo. “É um quadro clínico, ou seja, individual. É preciso uma análise e exames para saber o porquê, já que tudo está sujeito a construção subjetiva da história de cada paciente. É necessário observar como ele lida com suas angústias, sentimentos e afetos”.
Ela acrescenta que o maior motivo que leva a pessoa à compulsão é a angústia. “Ela sente um vazio, uma incompletude e isso gera não só a compulsão por compras, mas por várias outras coisas, como bebidas, jogos drogas etc.
Sinal vermelho
De acordo com a psicanalista, a rapidez em adquirir determinado objeto é um agravante, já que tudo está a mão. “Ela quer um produto, o adquire, mas vê que não é suficiente e acaba comprando outro. E, após essa compra, ela quer cada vez mais. Quando a pessoa é compulsiva, isso se torna um buraco sem fim”.
Izabel declara que o próprio paciente sabe que é compulsivo devido a esse comportamento. “Na maioria das vezes, ele compra coisas de que não precisa. Claro que todos nós fazemos isso, por estética ou porque aquilo está na moda. No entanto, o compulsivo adquire os itens de modo exagerado, muitas vezes, ele compra o mesmo objeto de várias cores e não consegue parar. E em muitos casos, a pessoa esconde de si própria. Em outros, ela se sente culpada, após o pagamento do produto”.
Ela afirma que as principais consequências da compulsão são os problemas financeiros. “A pessoa se endivida, pega empréstimos e acaba sujando o nome. Ela pode ficar até um pouco maníaca porque, às vezes, não pode comprar, mas precisa. E começa a querer sempre produtos caros e inacessíveis. Além disso, ela pode trocar relações pessoais por compras e isso tudo pode acarretar em uma depressão”.
Aceitação
A especialista ressalta que a compulsão é tratável. “A primeira coisa que o paciente deve fazer é aceitar, tomar consciência de que está em uma situação que não consegue reverter sozinho. Após isso, ele deve procurar um profissional que vai buscar entender os motivos que estão por trás dessa necessidade em comprar”.
A secretária executiva, Aline Fonseca, que era compulsiva, afirma que percebia que algo estava errado, mas que por muito tempo viveu em negação. “No meu guarda-roupa, às vezes, eu via sapatos e bolsas que eu nem lembrava que tinha. Ou três camisas do mesmo modelo, mas de cores diferentes e calçados e brincos repetidos. Eu tentava me organizar, mas era sempre uma frustração. Meu quarto começou a ficar pequeno, me senti como uma acumuladora, mas ignorava o fato de não estar bem com tudo isso”.
Aline lembra que comprava por pura compulsão. “Eu ia nas lojas e não podia nem ler a palavra “liquidação” que já entrava. Achava um pecado deixar de comprar um vestido que estava tão baratinho, mesmo não precisando. Não me recordo quando foi que deixei de comprar por prazer, e passei a uma incontrolável necessidade de ter coisas”.
Para a secretária, o maior choque foi quando se viu endividada. “Eu tinha 3 cartões de créditos e estourei o limite de todos. Acumulei uma dívida de quase R$ 4 mil, mas, ainda sim, eu precisava comprar. Um dia pedi meu pai o cartão dele emprestado e ele me trouxe de volta à realidade. Disse que eu precisava de ajuda, porque meu desejo de comprar não era comum. Relutei um pouco, mas acabei indo ao especialista para agradá-lo. Fui encaminhada para a psicanálise e faço terapia há 2 anos. Depois disso, consegui negociar minhas dívidas, me desfiz dos cartões de crédito e, hoje, vivo muito melhor”, conclui.