Home > Destaques > Número de vítimas da violência escolar cresceu 254% em dez anos

Número de vítimas da violência escolar cresceu 254% em dez anos

Foto: Freepik.com

Entre 2013 e 2023, o número de casos de violência escolar no Brasil aumentou em 254%, conforme dados levantados pela Revista Pesquisa Fapesp, vinculada à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Além disso, informações do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) mostram que, em 2013, foram contabilizadas cerca de 3.700 vítimas de violência em instituições de ensino, enquanto em 2023 esse número saltou para aproximadamente 13.100.

As estatísticas abrangem alunos, docentes e demais integrantes da comunidade escolar. Dentre os registros, aproximadamente 2.200 casos estavam relacionados à violência autoprovocada, como automutilação, ideias suicidas, tentativas de suicídio e suicídios. Esse tipo de ocorrência apresentou um crescimento expressivo, sendo 95 vezes mais frequente ao longo do período analisado. Para discutir o assunto, o Edição do Brasil conversou com a advogada e facilitadora em justiça restaurativa, círculos de diálogo de paz, e comunicação não violenta, Jéssica Gonçalves.

Como você avalia o aumento de 254% nas vítimas de violência escolar entre 2013 e 2023?
Esse crescimento expressivo indica que as escolas, que deveriam ser locais de acolhimento, aprendizado e segurança, estão cada vez mais sendo marcadas por conflitos, medo e insegurança, tanto para estudantes quanto para educadores. Esse cenário mostra que existe uma fragilidade nos mecanismos de prevenção e resolução de conflitos, muitas vezes limitados à punição, sem espaço para diálogo e reconstrução de vínculos. Alia-se a isso uma falta de apoio emocional e psicológico, tanto para estudantes quanto para educadores, o que contribui para a escalada de tensões e comportamentos agressivos.

De que forma esse avanço na violência afeta diretamente a qualidade do ensino e o cotidiano de professores e alunos?
Na rotina dos professores percebemos um aumento do estresse e da ansiedade, pois se sentem sobrecarregados por terem que lidar com questões que vão além do ensino. Na vida dos estudantes, nota-se que a violência escolar promove o medo de ir à escola, à medida que muitos alunos deixam de frequentar as aulas por receio de se tornarem vítimas de agressões ou bullying. As situações de conflito e violência demandam tempo para serem resolvidas, o que prejudica o andamento do conteúdo pedagógico.

As escolas estão preparadas para lidar com esse tipo de ocorrência, tanto do ponto de vista disciplinar quanto emocional?
Na maioria dos casos, elas não estão totalmente preparadas para lidar com a violência escolar. Embora existam boas iniciativas em algumas redes de ensino, ainda há muitos desafios estruturais, formativos e culturais a serem enfrentados. Isso se dá porque do ponto de vista disciplinar, as respostas são, em geral, punitivas e imediatistas, como suspensões e transferências, que não resolvem a raiz do problema. As fragilidades emocionais são muito sensíveis, sejam pela falta de equipes multiprofissionais para atender as demandas de estudantes e professores, seja ausência de formação em saúde mental, escuta ativa ou comunicação não violenta, o que limita ações diante de conflitos e traumas.

Como as redes sociais e a tecnologia estão impactando a violência escolar, tanto positivamente quanto negativamente?
As redes sociais e a tecnologia têm um duplo papel na violência escolar: podem tanto agravar o problema quanto ajudar a combatê-lo. Como impactos negativos podemos destacar a ampliação do bullying e do cyberbullying. Redes sociais são usadas para humilhar, excluir ou ameaçar colegas, muitas vezes de forma anônima ou viralizada, além da disseminação de discursos de ódio e violência. Como pontos positivos, pode ser uma potente ferramenta de prevenção e conscientização de mobilização e educação para a paz, pois são também canais poderosos para campanhas educativas, debates sobre saúde mental, diversidade e combate ao bullying.

A tecnologia pode favorecer a denúncia e a visibilidade de casos de violência. O que está faltando nas escolas brasileiras para conter essa escalada da violência?
É preciso uma mudança de cultura aliada a investimentos estruturais e humanos. A maioria das escolas ainda responde à violência de forma pontual, reativa e punitiva, quando o que se precisa é de um trabalho contínuo de prevenção, acolhimento e reconstrução de vínculos. A educação socioemocional estruturada no currículo, indo além de projetos isolados, é indispensável para uma mudança de cultura, aliada a uma formação de professores em comunicação não violenta, escuta ativa, mediação de conflitos e justiça restaurativa.