“A criança que você queria morreu. O que temos aqui, é um bebê com Síndrome de Down. A assistente social do hospital vai te auxiliar na entrada dos papeis para adoção, caso você queria se livrar dele”. Essa foi a fala do médico que fez o parto de Cíntia, mãe de uma criança que possui Síndrome de Down. Essa repórter passou uma tarde na agradável sede da ONG Luz Diamante, onde ouviu histórias e casos sobre essas pessoas que são excepcionais e, na maioria das vezes, esquecidas e incompreendidas pela sociedade.
Causada pela presença de três cromossomos 21 em todas, ou na maior parte das células, a Síndrome de Down ocorre na concepção da criança. Os indivíduos com a condição tem 47 cromossomos, em vez de 46, como boa parte da população. Estima-se que no país exista 300 mil pessoas com a síndrome. Porém, este número, de acordo com a assistente social e coordenadora da Luz Diamante, Maria Beatriz da Cunha, é subnotificado. “Só é contabilizado as pessoas que já precisaram de algum atendimento no Sistema Único de Saúde (SUS), contudo, nem todos o utilizam”, explica.
Além da falta de números reais, outro ponto chama a atenção no que se refere a síndrome: a falta de informação, tanto da população quanto dos médicos. A vice-presidente da Amadinhos Down – ONG parceira da Luz Diamante –, Karina Icasatti, aponta que poucos são os especialistas que entendem a deficiência. “Na maioria dos casos, os médicos tratam a condição de forma geral, mas cada caso é individual”.
Ela, que também possui um filho com a síndrome, acrescenta que os médicos, em sua maioria, não tem expectativa alguma para a criança. “Eles não sabem nem como dar a notícia. Tratam a situação como um verdadeiro luto. Acabam com a alegria dos pais diante do nascimento de uma criança. Tudo vira um grande drama. Recebemos olhares de dó, como se ter um filho com Síndrome de Down fosse a pior coisa do universo”, lamenta.
Bate papo
Em uma roda de conversa, as mães dos atendidos pela ONG conversavam abertamente sobre a questão. “A médica disse que meu filho não ia andar, não ia falar, não ia me chamar de mãe. Pensei que ele viraria um vegetal, mas com um ano ele já andava e muito bem. Voltei nela para avaliar e ela disse que estava dentro do esperado. Não entendi a contradição. Falta uma pessoa que entenda a condição e nos explique, exatamente, tudo o que vai acontecer, de uma forma positiva. Eles são diferentes, mas são capazes”, afirmou Cíntia.
A história de Neusa é semelhante. “Quando meu filho nasceu, o médico veio me dizer que ele tinha um problema e seria incapaz. Eu não acreditei nele. A forma, como ele me deu a notícia foi muito errada. Voltei para casa e tive que enfrentar tudo sozinha. Os amigos e alguns familiares não querem saber. É uma luta minha”, compartilha.
Mas, apesar de todas as dificuldades, as mães sempre se mostraram positivas. “Quando minha filha nasceu, prometi ajudá-la e, desde que chegamos em casa não fiz outra coisa. Eu cresci muito com a vinda dela, buscando apoiá-la aprendi a ajudar. Sou muito grata por ter recebido o presente de ser sua mãe”, diz Tereza.
Durante a conversa, elas deixaram uma mensagem à toda sociedade: “É preciso olhar com amor para os portadores da Síndrome de Down. Tratar o diferente com carinho e, principalmente, respeito. Buscar informações, é primordial para que se possa alcançar, de fato, a inclusão”.
Luz Diamante
Localizada na Rua Américo Werneck, 245, no bairro Mangabeiras, a ONG Luz Diamante, trabalha com terapias holísticas: ocupacional, ioga e heike. Os cursos são voltados para ampliação e consciência do ser. De acordo com a coordenadora Maria Beatriz, o instituto criou um programa solidário. “Decidimos que este projeto seria voltado para pessoas com deficiência e com foco nos jovens com Síndrome de Down. Atendemos jovens acima de 14 anos, porque já existe várias instituições que trabalham com crianças. Mas, aceitamos todas as idades mesmo assim”.
A ONG tem um diferencial: pois trabalha com os pais. Glória, uma das mães participantes do projeto, diz que para ela, isso é muito importante. “Aqui, eu me sinto especial. Desde que minha filha nasceu, a minha vida é esperar. E eu não ligo, mas o projeto, também, pensa em mim. Fomos muito bem acolhidas”.
Hoje, existe uma proposta para ampliação da ONG. “Nós atendemos 30 jovens e queremos ampliar para 50, além disso, trabalhamos maneiras de criar autonomia para eles. Como por exemplo, dar capacitação para que eles possam ser empreendedores e, para isso, precisamos motivá-los. Realizamos oficinas criativas e percebemos uma mudança muito grande no desenvolvimento deles. São trabalhos diferentes do que eles estavam habituados. Os resultados são ótimos e, com isso, entendemos que é hora de crescer”, diz a coordenadora.
Mas, Maria Beatriz explica que, devido ao fato da ONG viver de doações, a expansão vai demorar bastante para sair do papel. “Precisamos angariar fundos e fazer parcerias. Já temos alguns patrocinadores, voluntários e, também, temos alguns pais que tem condição de pagar mensalidade. Continuaremos correndo atrás para que possamos concretizar esse sonho”.
*O sobrenome das mães entrevistadas foram preservados.