Em entrevista, o presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo e médico João Ladislau Rosa, discorre sobre o panorama atual da saúde no país. Ele declara que o Brasil está abaixo da maioria dos países da América do Sul quando o assunto é investimento.
O que está acontecendo com o setor da saúde, no Brasil?
Hoje, do orçamento bruto da União, o país investe em torno de 7% a 8%, sendo que metade disso fica para o setor público e a outra parte para a iniciativa privada. São quase R$ 100 bilhões para saúde pública e o mesmo valor para a privada. Porém, a quantia destinada à área pública cobre a saúde de todos os brasileiros (mais de 200 milhões), enquanto que a outra metade repassada à privada (planos de saúde) atende somente 50 milhões de pessoas, ou seja, um quarto da população. Então, existe uma desproporção muito grande no que tange o financiamento à saúde no Brasil.
A criação do SUS realmente trouxe melhorias para os brasileiros?
O Sistema Único de Saúde (SUS) ao ser criado, em 1988, conseguiu garantir atenção para todos os brasileiros. Antes disso, existiam duas categorias no Brasil, os indivíduos que tinham carteira assinada, direito ao INSS e atendimento pelo Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps) e aqueles que não tinham carteira assinada e que por isso eram indigentes. É impossível dizer que SUS não se desenvolveu e avançou, mas ainda está muito aquém da expectativa. Ainda existem problemas sérios na cobertura à saúde da população. As áreas economicamente mais desenvolvidas, obviamente, conseguem uma atenção maior, ao mesmo tempo em que nas mais pobres o atendimento é extremamente precário ou nem existe. Falta quebrar essa heterogeneidade. Quando comparamos o Brasil com outros países, o investimento per capita em saúde é muito pequeno. Ele está abaixo da maioria dos países da América do Sul, então o Brasil não é um país que investe muito em saúde.
Por que a conta financeira dentro dos hospitais não fecha?
Existem dois aspectos: o governo federal é responsável por uma parte desse financiamento e o estadual e municipal por outras parcelas. Os municípios devem investir de 12% a 15% do seu orçamento em saúde, o Estado 12% e a União não tem uma parcela definida. Desse modo, esse aporte é extremamente irregular. O outro ponto é o modelo de gestão dessa contribuição que é muito atrasado, e não condiz com a realidade. Esse padrão filantrópico é ultrapassado, na verdade quem tem que financiar o serviço público é o Estado em sua totalidade. De outro lado, o financiamento do Ministério é feito pela famigerada Tabela SUS que paga as coisas de maneira irrisória, muito aquém do custo real. Diante disso, a gente vê algumas prefeituras investindo mais de 20% do seu orçamento na saúde, porque é um bem caro.
É fato que a administração é deficiente. Mas, o que pode ser feito para solucionar esse problema?
Eu penso que o que falta no Brasil é planejamento. Querer conduzir o país inteiro da mesma maneira é errado, porque você tem o Sul com uma característica, o Nordeste bem mais empobrecido e uma região amazônica, onde até as doenças são diferentes, são situações muito distintas. Isso precisa ser mais regionalizado, e claro, melhorar o investimento.
Qual é o atual cenário dos hospitais no país?
Eu conheço melhor o Estado de São Paulo, mas, na verdade, o país todo vive situações bem semelhantes. No Rio de Janeiro, os hospitais públicos estão num estado extremamente complicado, faltam profissionais e financiamento, o que não diverge muito de São Paulo. O Conselho Federal de Medicina percorreu os prontos-socorros do Brasil inteiro o ano passado e o resultado foi catastrófico, a maioria dos hospitais tinha macas no corredor, pessoas mal acomodadas e indivíduos internados deitados no chão porque não havia leitos. Esse é o quadro do Brasil como um todo.
A dificuldade de dinheiro nos hospitais públicos e filantrópicos é antiga. Por que o governo deixa chegar ao ápice da situação?
Porque não existe interesse político, apesar das pesquisas mostrarem que hoje a maior preocupação da sociedade é a saúde. O benefício além de ser caro não traz nenhum dividendo político. Nas vésperas das eleições e nos movimentos de rua do ano passado isso ficou nítido e mesmo assim não se investe. Existe uma rogação popular que pede 10% do orçamento da União para a saúde, isso aumentaria para o SUS aproximadamente R$ 50 bilhões por ano. A proposta foi para o Congresso Nacional, mas ocorreram manobras e o governo propôs que somente em 2018 o país chegue a 18% da receita líquida.
Qual é o papel do Ministério da Saúde em relação a essas entidades?
O Ministério tem que desenvolver políticas públicas de saúde para orientar e nortear a ação das unidades. Hoje, nós temos a atenção básica ligada diretamente ao poder público, que é de responsabilidade dos municípios. No que diz respeito à atenção secundária e terciária, o papel do Ministério é regular para saber o que precisa para cada brasileiro e as prioridades dos indivíduos de cada região, além de participar do financiamento. Nós entendemos que, hoje, os Estados e municípios já estão desembolsando para a saúde uma parcela considerável de seus orçamentos, mas União não.
E o usuário, como fica neste clima de incerteza em relação à saúde?
O usuário é quem mais sofre, porque ele precisa desse atendimento e fica numa situação de desamparo total. Um levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostrou que mais de 90% dos brasileiros que buscaram atendimento no SUS foram atendidos. Então existe a assistência, mas ela é desordenada. O que precisa é melhorar o serviço.