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Brasil está em 1º lugar no número de cesáreas

É um recorde vergonhoso, mas real. Segundo estudo realizado pela Unicef, nosso país está em primeiro lugar no número de cesarianas. A pesquisa Nascer no Brasil, feita pela Fiocruz, mostrou que em 52% dos casos os bebês nascem pelo método. Nos hospitais privados, o índice é ainda mais espantoso: 88%.

Em entrevista, a coordenadora da Comissão Perinatal da Secretaria Municipal de Saúde, pediatra e doutora em Saúde Pública, Sônia Lansky, conversa sobre essa e outras questões que envolvem o parto. “Não é normal trazer para o cotidiano do nascimento uma cesariana, porque a criança e a mulher são expostas a maiores riscos. A mãe tem que pensar que a próxima gravidez vai ser de risco e isso é pouco falado pelos profissionais”, afirma.

No Brasil, o nascimento foi transformado em ato cirúrgico?
Infelizmente a maior parte dos partos no Brasil tem sido cesariana, que é uma cirurgia. Em 2013, 56,7% dos nascimentos no país foram por meio dessa prática. Assim, o processo normal está sendo substituído pela cirurgia, que a gente chama de fração fetal cirúrgica e que deveria ser em torno de 15%, indicada apenas para aqueles casos graves.

Em 2011, a Unicef afirmou que nosso país é o campeão mundial em cesarianas. Esse 1º lugar não revela uma banalização da prática?
A banalização é no sentido de dizer que a cesárea é uma cirurgia muito tranquila, que não traz problema e nem consequências adicionais. Isso não é verdade. A gente tem que desbanalizar a cesariana, pois os riscos são imediatos e futuros tanto para a mãe quanto para o neném. A mortalidade materna neste caso é três a sete vezes maior que no parto normal e a chance de um bebê morrer é quase duas vezes maior. As mulheres não são informadas sobre os perigos associados. Essa banalidade existe na prática profissional e na cultura brasileira.

A mãe é exposta a quais riscos durante a cesariana?
A mulher passa por uma grande cirurgia, na qual são cortadas sete camadas de seu corpo. É mito falar que a cesariana dói menos, pois a recuperação é mais lenta e dolorosa. Na cicatrização podem ocorrer complicações hemorrágicas. O desconforto e dor são muito maiores do que no parto normal, além de problemas na anestesia que podem afetar tanto o bebê quanto a mãe. Outro complicador grave é a dificuldade que essa mãe tem de interagir com o neném, já que ela está deitada, imobilizada e passiva. Não é uma mulher dando a luz em uma situação de plena integridade física, psicológica, moral e de interação com o seu filho. Além de tudo isso, o corte feito no útero vira uma cicatriz com fibrose marcada para sempre. A próxima vez que essa mulher engravidar, a placenta que se prende no útero não fará isso normalmente, o que gera hemorragias na mulher.

E o bebê também é afetado pela cesárea?
Sim. A interação com a mãe é prejudicada porque o bebê é retirado abruptamente da barriga e não passa pela transição do nascimento, o que é fundamental para ele. O neném precisa do trabalho de parto para que acabe de amadurecer antes de enfrentar a vida fora do útero. No parto normal, a mãe libera vários hormônios importantes que auxiliam no sistema neurológico, psíquico e no desenvolvimento futuro do bebê. Quando ele passa pelo canal do parto solta o líquido que está no seu pulmão, enquanto que na cesárea, o neném tem a síndrome do pulmão molhado, ele nasce quase que afogado. Assim, o bebê apresenta maior possibilidade de ter problemas respiratórios, internação e de nascer prematuro. O aleitamento materno é outro problema, já que para que o leite desça mais facilmente é necessário que o hormônio ocitocina seja liberado (apenas parto normal). Isso é muito sério porque o aleitamento é um fator de proteção na saúde do neném. Os riscos futuros são obesidade, diabetes e doenças cardiovasculares.

Que papel o médico tem na escolha de como será o parto?
O parto é da mulher e não do médico. Não é ele que escolhe. A escolha é uma prerrogativa da mãe, o corpo é dela. O médico e qualquer outro profissional deve apenas prestar assistência para a mulher em trabalho de parto.

Qual é a importância do parto humanizado?
No parto humanizado a gente respeita os desejos e os direitos da mãe e preconiza as práticas baseadas em evidências. É a parturiente que decide onde vai parir, de que forma será o parto, em qual posição, etc. Ninguém melhor do que ela para dizer como se sente mais confortável e espera vivenciar este momento. Não tem a necessidade de ficar em uma sala de cirurgia, mesmo porque o parto é um ato normal da vida. E no Brasil, invariavelmente, a maioria dos hospitais leva a mulher em trabalho de parto para parir dentro de um bloco cirúrgico, o que não é recomendado.

Um estudo da Fiocruz revelou que, no início da gravidez, 70% das mulheres optam por um parto normal. Elas mudam de ideia no meio do caminho?
Não é que as mulheres mudem de ideia. Na verdade, elas são praticamente manipuladas, sofrem uma interferência pela decisão do profissional e é muito difícil contrapor uma opinião médica. Ele a convence que existe um problema que, na maior parte das vezes, não se justifica porque não há argumentação e números que expliquem 80% de cesarianas no repertório de um médico ou de um hospital privado. É como se fossem apenas bebês e mulheres doentes, não tem nada parecido com isso no mundo. É uma prática inescrupulosa do ponto de vista do sistema que deixa isso acontecer. No SUS isso é diferente. Em BH estamos com 29% de cesarianas, ainda é um desafio para a gente reduzir mais esse índice, mas a performance é melhor.

Como o Brasil pode enfrentar e diminuir o número de cesarianas realizadas?
A maneira mais eficaz é divulgar para a mulher as boas práticas e treinar os profissionais para implementá-las. Além de pactuar com os hospitais para que eles mudem os seus protocolos e façam o parto humanizado. A mulher, sua família e todas as pessoas que podem apoiá-la devem ser colocadas no centro da atenção, isso aumenta o cuidado na hora do parto. A dor de parir vem e volta, não é algo horroroso. Nós damos conta, nascemos com essa capacidade e é preciso mudar essa percepção que se tem do parto normal. Cada criança e mulher tem o seu tempo e o médico só deve interferir quando realmente for necessário.