Os números relacionados ao estupro são assustadores: segundo dados do Banco Mundial, a cada 11 minutos, uma mulher é estuprada Brasil, ou seja, 130 sofrem abuso diariamente. O estudo também constatou que, entre 14 e 44 anos, é mais fácil ser estuprada do que ser vítima de câncer ou sofrer algum acidente. Além disso, é importante ressaltar que os dados são subnotificados, pois apenas 10% das mulheres violentadas e estupradas têm coragem de denunciar.
No estado, segundo o 12º Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2018, do Fórum Brasileiro de Segurança (FBSP), o número de casos de violência contra mulher aumentou. Por dia, são 14 estupros e o crime saltou de 4.692, em 2016, para 5.199, em 2017, aumento de 10,8%.
Especialistas acreditam que esse cenário se deve, principalmente, devido a cultura do estupro que está enraizada na sociedade. Para saber mais sobre o tema, o Edição do Brasil conversou com a psicanalista e professora da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), Paula de Paula.
O que é a cultura do estupro?
Primeiro temos que definir o que é estupro. A maioria das pessoas acreditam que isso é apenas quando alguém força uma outra pessoa a ter relações sexuais, porém o Código Penal é bem mais amplo sobre o tema. Segundo a lei, qualquer ato que uma pessoa pratique sem o consentimento da outra é visto como estupro, seja um assédio ou tentar roubar um beijo. Já em relação à cultura, não significa que o estupro é algo natural do homem, mas que ele foi educado para naturalizar alguns comportamentos que são considerados como violentos.
O assunto sobre a cultura do estupro não é novo, porém ganhou holofotes depois daquele estupro coletivo no Rio de Janeiro, quando, na ocasião, além da violência sexual, os homens também gravaram o ato.
Em que situação podemos observar essa cultura por meio de atos?
Por exemplo, no Carnaval, homens pegam as mulheres a força para beijá-las ou quando ele demonstra interesse, mas recebe um “não” e acredita que deve investir mais, pois aquela menina só está fazendo jogo. Vivemos em uma cultura que as mulheres não dizem o que querem e os caras acham que tem que forçar um pouco a barra. Isso faz com que elas se sinta apenas como um objeto para satisfazer o prazer sexual, com o seu consentimento ou não.
Por que ainda existe um tabu para se falar/denunciar o estupro?
Esse é o único crime que a vítima é julgada junto com o criminoso. Quando uma mulher vai fazer uma denúncia, ela sempre é implicada como se tivesse alguma coisa a ver com o que aconteceu. É até desrespeitoso! Além disso, muitas acreditam que aquela denúncia não vai dar em nada, então preferem não se expor.
Por que essa cultura ainda é tão comum?
Historicamente, os homens são provedores e a mulher vivia em volta dessa figura masculina. Só existia se estivesse casada e seu nome era vinculado ao dele. Além disso, há uma cultura de que os homens precisam se comportar de uma determinada maneira para serem vistos como homens. Então, a virilidade está ligada ao tanto de testosterona e isso reforça o papel de objeto que as mulheres ocupavam.
Essa realidade durou – e ainda está presente -, por isso é muito difícil fazer uma passagem tão rápida dos papéis que as mulheres e homens ocupam. Inclusive, ainda têm pais que ensinam essas atitudes para o filho, o que perpetua ainda a questão do machismo.
Podemos falar que alguns produtos culturais, como músicas, filmes etc, estimulam o estupro?
Acho que não estimulam, mas mostram como essa cultura se perpetua. Há protagonistas de filmes que têm atitudes que podem ser consideradas estupros. Muitas pessoas acham que isso é “mimimi”, mas a questão toda é respeitar: se uma mulher diz não, acate e recue. O que não é consensual, é violento.
Qual a solução para esse problema?
O ideal é trabalhar as relações entre homens e mulheres para que elas sejam mais iguais. É dentro de casa que os meninos aprendem o que é ser homem e isso é uma coisa bem difícil de mudar. Mas temos que ensinar as meninas a não aceitarem aqueles que a abusam, os denunciando e até saindo de perto; e aos meninos como tratar melhor o sexo oposto.