Cerca de 1% da população mundial – um em cada 68 crianças – apresenta algum Transtorno do Espectro do Autismo. A ocorrência da condição neurológica tem elevado. Em 1980, o número de diagnósticos era de um a cada 500, o significativo aumento chamou atenção até da Organização das Nações Unidas (ONU), que classificou o distúrbio como uma questão de saúde pública mundial.
O Edição do Brasil conversou com o psiquiatra da infância e adolescência, mestre em Ciências da Saúde pelo Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais (Ipsemg) e autor de vários livros da área, Walter Camargos Junior, sobre o assunto.
O que é o autismo?
O autismo é um transtorno neuropsiquiátrico, uma disfunção neurológica. Sua origem é um prejuízo neurológico, ocorrido no pré-natal, durante ou após o parto. Outro fator é o genético e a terceira possibilidade é uma mutação. O autismo é um comportamento, por isso tem muitas origens. É possível ter um diagnóstico de autismo com Síndrome de Down, cegueira, diabetes, depressão ou Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDH).
Quais são as principais características da pessoa que tem autismo?
A característica geral do autismo que todo mundo vê é o atraso no desenvolvimento. O transtorno em si, já gera um retardo, mas se a pessoa já tem uma limitação de inteligência, soma-se dois fatores de atraso de desenvolvimento, com isso, haverá um quadro mais grave ou que se desenvolve menos. O autismo sem o retardo mental tem comportamentos mais sutis que tende a evoluir melhor.
De que maneira o transtorno prejudica a vida de quem tem autismo?
Do ponto de vista médico, pensa-se que o núcleo do autismo são dois: interação e comunicação social. As crianças que têm o transtorno são identificadas quando não desenvolvem a fala. Então, antes do 2 anos, você tem uma enorme quantidade de coisas que faltam na área da comunicação. Por exemplo, é esperado que a criança olhe para mãe enquanto está mamando, às vezes, ela não olha. Por volta dos 6 e 8 meses, a criança comece a apontar o que quer, a resmungar e a reconhecer o som do próprio nome, mas o autista não. Isso porque eles não têm o reconhecimento do “eu primário” que é formado durante o segundo semestre de vida.
Uma americana que tem autismo e, hoje, é Ph.D em psicologia animal, a doutora Temple Grandin, diz em seu livro: “As pessoas que tem autismo têm uma televisão interna. Chamamos isso de tela subjetiva interna, que funciona 24 horas por dia. E as coisas que ele vê, vive e escuta são mais interessantes do que o mundo externo”, explica.
Quais são os comportamentos mais comuns?
Os comportamentos típicos são enfileirar e empilhar objetos e não ter noção do perigo. Além de tudo que tem a ver com a comunicação, pois há um prejuízo em cascata: na interação, comportamento e no brincar – são pessoas que preferem interagir com objetos, do que com um brinquedo, pois não sabem para que serve.
O número de diagnósticos tem aumentado. Segundo a ONU, hoje, a média é de 1 a cada 68 crianças. Ao que se deve esse aumento?
Não se sabe ainda a que se deve esse aumento, mas a certeza que tenho é que o conhecimento sobre o assunto cresceu muito. Quando eu formei, os diagnósticos que essas crianças tinham era de retardo mental ou psicose infantil. Existem variáveis que poderiam ser levadas em consideração, mas não se sabe ao certo.
Como é realizado o tratamento?
Os tratamentos são para fazer a criança se desenvolver, quanto menos atraso no desenvolvimento ela tiver, menos sinais de autismo ela terá. É necessário terapia ocupacional, fonoaudiólogo, escola e a família vai precisar de acompanhamento psicológico para saber como lidar com a criança. Em alguns casos, ela pode necessitar de remédios, avaliação genética etc. Não existe uma cura, mas ele vai melhorando de acordo com o seu desenvolvimento.
Esse transtorno tem níveis (leve, médio, moderado)?
Os americanos dividem em 3 graus, mas a gravidade depende muito da inteligência e, também, de outras doenças, como cegueira, surdez ou síndromes. Por exemplo, tem 20% a mais de pessoas com autismo tendo Síndrome de Down do que na população geral.
Quando o nível é muito alto e a criança não consegue se desenvolver, como os pais lidam com essa situação, levando em conta o ciclo da vida?
Quando o diagnóstico ocorre, o homem, em diversas situações, abandona a mulher, em 70 % dos casos. Com isso, ela acaba passando por dificuldades. As pessoas que tem na família um ente com autismo, tendem a ter um rendimento mais baixo, pois sempre alguém tem que parar de trabalhar para cuidar dela. É difícil, pois os pais temem morrer antes dos filhos e deixá-los sem assistência, por isso é importante fazer curatela (reconhecimento judicial federal de que um indivíduo é incapaz de se manter por si próprio, para que alguém seja responsável por ele e administre seus bens) dos casos mais graves.
Em média, quanto custa um tratamento? E o SUS ampara essas crianças?
Quanto mais pobre, mais custa. O SUS tem pouco atendimento. Os serviços que eu conhecia em BH não existem mais, porque acharam que não era preciso. É lamentável, mas um dos pontos de prognóstico é não ser pobre demais. Por que tem um tratamento de Aids de ponta no SUS e não tem para o autismo? O autismo não mata, não gera internação, cirurgia, exame e não tem um remédio para melhorar. É só o gasto com mão de obra que não tem licitação, a verdade é essa.
As pessoas ainda tem muito preconceito e discriminação em relação ao transtorno?
As pessoas têm preconceito com tudo aquilo que é diferente. As coisas estão indo relativamente bem, o que vai mal mesmo são os interesses do Estado. Teve uma reunião em Campo Belo, o pessoal de lá está montando uma associação de apoio. As coisas só vão para frente por iniciativa das famílias. As pessoas precisam cobrar mais do município, Estado e Federação para que as coisas andem. E isso não é de exclusividade no Brasil, acontece em outros países também.