Um estudo, conduzido pelo Datafolha a pedido da ONG Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal, mediu o grau de interesse dos brasileiros em relação ao bem-estar dos animais criados em fazendas. O resultado mostrou que quase 9 em cada 10 brasileiros (88%) maiores de 16 anos se importam, em maior ou menor grau, com a situação em que esses bichos se encontram. Na estimativa populacional do Brasil para 2021, o percentual de quem se interessa corresponde a aproximadamente 148 milhões de pessoas.
Os dados ainda mostram que o índice aumenta entre os mais jovens, com idade entre 16 e 24 anos (93%), entre aqueles que possuem ensino superior (91%) e brasileiros das classes A/B (89%), composta por maioria feminina. A taxa dos que dizem não se importar (apenas 9% do total da amostra) é maior entre indivíduos com 60 anos ou mais (14%), pessoas com apenas ensino fundamental completo (13%) e residentes na região Sul (13%).
De acordo como o executive manager do Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal, Taylison Santos, mesmo com as maiores organizações de saúde tendo evidências sobre os impactos no meio ambiente e nos humanos, o movimento de incentivo da alimentação à base de animais é muito forte.
88% dos brasileiros se importam com o sofrimento dos animais nas fazendas. A que você atribui esse número?
Atribuímos essa taxa às novas oportunidades que estão sendo criadas com a ascensão dos grupos minoritários. Achar que o ser humano, por ser pobre, não tem direito a escolher o alimento é um erro. É preciso mudar a ideia de que os humildes vão sempre escolher o mais barato. A educação e os movimentos sociais são os agentes causadores de mudanças de costumes. As pessoas estão pensando no impacto que esse hábito alimentar causa no planeta para todos os seres vivos.
Apesar desse número, o país está no top 10 de população que mais consome carne no mundo. Como explicar esse paradoxo?
O consumo de carne no país acompanha os hábitos culturais alimentares. Por isso é importante mostrar à população dados científicos que demonstrem os impactos que os produtos de origem animal causam. E que como qualquer mudança, ela acontece por partes. Primeiro, retiram determinados animais do prato e, aos poucos, vão percebendo que esse tipo de alimento é só mais um hábito cultural e que a comida não precisa ser de origem animal.
O que é paradoxal é que mesmo as maiores organizações de saúde tendo evidências sobre os impactos na saúde do meio ambiente e no ser humano, o movimento de incentivo da alimentação à base de animais é muito forte. Chega a ser tenebroso como o agronegócio tem o poder de pressionar e influenciar políticas, empresas públicas e privadas e, consequentemente, impactar na degradação do meio ambiente.
Qual a realidade dos animais nas fazendas atualmente?
Os animais passam pelo utilitarismo, os que têm serventia para os humanos são usados para fins de alimentação ou entretenimento. O que precisa ficar claro para a população é que as condições que eles são mantidos, até que se torne um alimento, não devem ser aceitas em pleno século 21.
Uma galinha ter um espaço menor que uma folha A4 para viver, ter seu bico cortado, ser forçada a ficar em jejum de 7 a 10 dias tudo para botar a maior quantidade de ovos é algo absurdo. Os porcos têm seus dentes arrancados, os rabos cortados e as orelhas picotadas. Ficam 35 dias deitados em uma posição na qual não podem se locomover livremente. As vacas são constantemente inseminadas para produzir leite, seus bezerros machos são destinados à produção de uma carne extremamente cruel, a vitela, que restringe a alimentação e os movimentos para garantir uma textura ideal às fibras musculares. Tudo isso mostra que a situação desses animais não está de acordo com os parâmetros morais e éticos que temos quando o assunto é humanidade.
Como esse panorama pode melhorar?
As pessoas precisam ter a oportunidade de saber da realidade dentro dos criadouros e abatedouros. Esse incentivo deveria ser função de órgãos governamentais a fim de que todos saibam a procedência do que comem. Isso é uma questão de segurança alimentar. Assim, a gente consegue conscientizar a população de que o lucro do produtor não é mais importante do que a vida do animal que está sendo submetido a atrocidades. Quem come essa carne não está ciente de tudo que está envolvido na produção daquele alimento. A educação humanitária, que engloba o ensino ambiental e animalista, deveria ser obrigatória por lei.
Qual a importância de se mudar essa realidade de sofrimento animal em fazendas?
Essa mudança é importante, pois irá preparar a sociedade para o próximo passo, que é o entendimento de que comer animais não é sinônimo de ingerir proteínas. Quando se opta por comer carne, isso deve ser algo consciente e não apenas um hábito cultural. Por fim, é preciso compreender que buscar o bem-estar dos bichos está muito além do vegetarianismo ou veganismo.
Como essa atividade impacta o meio ambiente?
O sistema de criação industrial tem impactos negativos na vida do animal e do meio ambiente. Além de viverem em condições de superlotação, o que maximiza os riscos de contaminação por vários vírus, patógenos, bactérias e outros, variados fatores apontam o quanto que a atividade é nociva ao ambiente. A emissão de gases de efeito estufa (GEE) na produção de ovos, por exemplo, é 11 vezes maior do que a produção de uma porção de feijão. Mais de um terço da produção de soja global é usada para alimentar frangos e aves. Fora o desmatamento, que causa a poluição de recursos hídricos pelo uso de fertilizantes minerais, pesticidas e herbicidas, além da poluição do ar pelos poluentes nitrogenados por meio da evaporação de amoníaco.
Sabe-se que hoje as populações de mamíferos na terra são de 60% animais em fazenda, 36% humanos e 4% animais selvagens e outras espécies. Cerca de 66% da produção agrícola é para alimentar os animais de fazenda. E eles são responsáveis por pelo menos 37% das emissões de GEE. O volume de produção de fezes animais é 130 vezes maior do que a população humana mundial e não recebe quase nenhum tratamento.
Tudo isso causa uma grande emissão de metano e a destruição dos rios e ecossistemas. Uma área equivalente a mais de 10 mil campos de futebol é desmatada a cada dia somente na Bacia Amazônica. A pecuária é ainda o principal causador dos incêndios florestais. Todos esses números devem nos levar à reflexão para que possíveis mudanças aconteçam.