Segundo um levantamento do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), 33 milhões de crianças brasileiras enfrentam, por ano, o dobro de dias extremamente quentes em comparação aos seus avós. De acordo com a pesquisa, a média de dias em que são registradas temperaturas acima dos 350 C passou de 4,9 na década de 1970 para 26,6 na década de 2020. Ainda conforme a análise, a velocidade e a escala com que os dias quentes estão aumentando são alarmantes. Para discutir o tema, o Edição do Brasil conversou com o especialista em mudanças climáticas do Unicef, Danilo Moura.
Quais são os impactos que as crianças podem sofrer em dias de calor extremo?
O calor extremo afeta a saúde das crianças, especialmente as menores de um ano, porque elas têm muita dificuldade em regular a própria temperatura. Por exemplo, um bebê começa a suar apenas quando a temperatura já está muito elevada. O sistema de regulação térmica do corpo funciona de forma mais lenta. Quanto mais quente estiver, mais difícil será para uma criança lidar com o calor, em comparação a um adulto. Além disso, há os efeitos secundários, que envolvem doenças transmitidas por vetores, como a dengue. A incidência aumenta, e a taxa de mortalidade é maior entre as crianças. Isso cria um acúmulo de problemas que afeta significativamente a saúde infantil em condições de calor extremo.
Quais regiões do Brasil o calor extremo mais preocupa?
Os modelos climáticos indicam que o aumento das temperaturas é preocupante no Norte e Nordeste. Em Minas Gerais, o Norte do Estado também se inclui, junto com o restante do semiárido brasileiro, como uma área que enfrenta não apenas o aumento da temperatura, mas também a diminuição das chuvas. Isso significa que parte do semiárido está se transformando em um bioma árido, essencialmente um deserto. Esse fenômeno ocorre em uma pequena porção do país, mas tende a se expandir.
O país tem realizado a sua parte no combate às mudanças climáticas?
Temos observado uma redução nos números do desmatamento, principalmente na Amazônia, o que é uma boa notícia. No entanto, os números do Cerrado continuam preocupantes. Este ano, a seca e as queimadas foram intensas. Ainda não atingimos o menor índice de desmatamento deste século, e estamos longe de zerar as emissões de gases de efeito estufa. Esse é um problema de longo prazo, e ainda há muito trabalho a ser feito para que o Brasil cumpra os compromissos assumidos.
O que mais precisa ser feito para diminuir esses impactos?
Mesmo que sejamos bem-sucedidos no combate às mudanças climáticas, a frequência de dias de calor extremo continuará a aumentar. Estamos enfrentando um cenário devastador. É importante deixar claro que não existe solução ou adaptação de longo prazo que não envolva parar de agravar a situação. É essencial reduzir as emissões de gases de efeito estufa, cumprir as metas do Acordo de Paris e limitar ao máximo o aumento da temperatura global. Caso contrário, estaremos condenando as próximas gerações a uma vida mais difícil, com menos oportunidades.
As prefeituras precisam desenvolver estratégias de comunicação para que a população saiba reconhecer os sinais de estresse térmico e como agir nessas situações. Além disso, os serviços de saúde devem estar preparados para lidar com o aumento no fluxo de pessoas afetadas pelo calor. A longo prazo, prefeitos e prefeitas devem criar planos para preservar, recuperar e criar novas áreas verdes, além de adotar estratégias de zoneamento urbano que evitem a formação de ilhas de calor. Uma série de políticas públicas precisa ser repensada com a compreensão de que os dias quentes serão mais frequentes e duradouros do que estamos acostumados.
No caso das crianças, como seria possível minimizar os impactos do calor extremo?
É necessário prestar atenção às escolas. É importante considerar a arquitetura das instituições de ensino, para que elas possam lidar melhor com o calor extremo. Isso inclui maximizar a circulação de ar, usar materiais que ajudem a reduzir a temperatura interna, criar pátios com áreas verdes, evitar o uso de cimento, e garantir o acesso à água, que é essencial.