Especialistas que participaram da audiência pública da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), concordaram que o processo de licenciamento de hidrelétricas no Estado deveria ocorrer apenas após a realização de um macroplanejamento. O objetivo da reunião, solicitada pela deputada Bella Gonçalves (Psol), era debater o licenciamento desses empreendimentos nas regiões do Alto Paranaíba e Triângulo Mineiro, em especial a implementação da Usina Hidrelétrica Gamela no Rio Paranaíba, no município de Coromandel (Alto Paranaíba).
O professor do Departamento de Ecologia e Conservação da Universidade Federal de Lavras (UFLA), Paulo dos Santos Pompeu, foi um dos defensores desse macroplanejamento. “A gente não devia estar licenciando os empreendimentos isoladamente. É preciso olhar a bacia como um todo. Desde que as hidrelétricas começaram a ser implantadas no Brasil, principalmente a partir da década de 1960, a construção de escada para peixe tem sido a principal estratégia utilizada. Mas mesmo tendo essas estruturas, os nossos estoques de peixe estavam declinando. Se você está ligando um reservatório a outro, para que você está colocando uma escada para peixe? Você não está ligando nada a lugar nenhum”, afirmou. Ele ressaltou que os mecanismos de transposição não respeitam a dinâmica de migração dos peixes, cujas espécies muitas vezes migram somente em determinada época do ano e condições de temperatura. A ideia de um planejamento global também foi defendida por André Barcelos, coordenador do Programa Rios Livres. “Em uma bacia que já é responsável por 40% da contribuição energética, é preciso pensar um processo de descentralização dessas matrizes do Triângulo Mineiro”, disse.
O presidente e diretor de sustentabilidade da Associação para a Gestão Socioambiental do Triângulo Mineiro (Angá), Gustavo Malacco, afirmou que “a região do Triângulo Mineiro, por causa dos seus grandes rios, teve e ainda tem uma grande contribuição para a hidroeletricidade, mas isso traz consequências, especialmente para o ecossistema aquático e os setores agrícola e de turismo”.
Ele também explicou que a Usina Hidrelétrica Gamela pretende ser construída no único trecho ainda livre de barragens do Rio Paranaíba e solicitou ajuda da ALMG para avançar em uma política pública que defina quais rios seriam de preservação permanente.
“A gente não demoniza e nem quer tirar a relevância de instalações de usinas hidrelétricas porque, de fato, elas ainda são responsáveis por um percentual relevante da matriz energética do Brasil. No entanto, diante desses impactos que hoje são muito bem reconhecidos e identificados, em boa parte, irreversíveis, é fundamental, que em todos os processos de licenciamento, nós tenhamos essa análise de impacto. Estamos falando de bacias que já têm seu fluxo comprometido devido à presença de muitas barragens”, reiterou o procurador do Ministério Público Federal (MPF), Gustavo Kenner Alcântara.
Segundo os presentes na audiência, em 2023, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) havia emitido parecer técnico recomendando o indeferimento do projeto da Usina Hidrelétrica Gamela. Porém, o empreendimento foi liberado em março deste ano em reunião da unidade regional do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam).
Mariana Antunes Pimenta, gestora ambiental e gerente de suporte técnico da Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam), participou da elaboração do parecer técnico e afirmou que foram quase dez anos de análise que levaram ao entendimento de que a Usina Hidrelétrica Gamela deveria ser indeferida. “O impacto não mitigável sobre espécies de peixe ameaçadas foi considerado muito maior que os impactos positivos”, reforçou.