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Número de pessoas com “nome sujo” no país ultrapassa 62 milhões

Com a taxa de desemprego elevada e atingindo quase 15 milhões de pessoas, além da diminuição de renda, o número da inadimplência também tende a aumentar. Conforme uma estimativa do Serasa, cerca de 62,56 milhões de brasileiros estão endividados. Deste total, 30 milhões são superendividados, que são aqueles que não estão conseguindo pagar suas obrigações financeiras. A recuperação econômica destes cidadãos pode ser impulsionada pela Lei do Superendividamento, sancionada em 1º de julho, que também tem como finalidade o resgate do poder de compra dos consumidores e a busca pelo uso do crédito de forma mais consciente.

De acordo com o Serasa, o valor médio da dívida por pessoa é de R$ 3.937,38. Já o tíquete médio de cada conta em atraso é de R$ 1.162,43. A categoria bancos/ cartão é a que tem o maior volume de pendências, representando 29,7% dos mais de R$ 211 milhões de débitos. Em seguida, estão as contas com luz, água e gás, com 22,3%. As compras no varejo representam 13% dos débitos dos brasileiros.

Em números gerais, São Paulo lidera o índice de negativados, com mais de 15 milhões, quantidade duas vezes maior que o segundo colocado. Rio de Janeiro tem 6,15 milhões e Minas Gerais aparece com 5,9 milhões. O levantamento do Serasa também apontou os brasileiros que estão buscando negociação pelo “Serasa Limpa Nome”. A faixa etária de 31 a 40 anos foi a que mais procurou uma solução financeira para os débitos, seguida dos com idade entre 18 e 25 anos.

Dívidas causam inimizades

O auxiliar de serviços gerais Robson Santos emprestou o cartão de crédito para seu irmão no final do ano passado. “Ele disse que estava precisando fazer uma compra e gastou quase R$ 1 mil dividido em 4 vezes. Confiei nele, mas pouco tempo depois fiquei sabendo que ele havia sido mandado embora. Nunca cheguei a receber nenhum centavo já vai fazer 7 meses. Assim que chegou a primeira fatura fui pedir o dinheiro e ele disse que não teria como pagar. Nos desentendemos e, desde então, não conversamos mais”, relata.

Ele afirma que a operadora do cartão entrou em contato avisando dos débitos. “Acreditei que ele ia pagar tudo direitinho e levei o calote. A dívida total chegou a quase R$ 5 mil. Não tive como quitar a conta sem a parte dele. O tempo foi passando e eu fui me enrolando cada vez mais. Recentemente, consegui abater os juros e multas numa negociação para limpar o nome. O valor vai pesar no meu orçamento que já é baixo, mas pelo menos vou resolver o problema e voltar a ter dignidade”.

Já a cabeleireira Natália Silva teve de recorrer a um empréstimo por conta de despesas médicas. “Peguei o dinheiro e acertei o valor das parcelas mensais que pagaria. No entanto, me atrapalhei e acabei contraindo outras dívidas. Foi virando uma bola de neve a ponto de eu não conseguir quitar. Mês passado recebi um comunicado informando que a minha pendência já estava em R$ 3,5 mil. Tentei negociar, mas não houve acordo. Deram-me desconto de 20%, porém, teria que ser pago à vista”, salienta.

Natália diz que ficou com o “nome sujo” e com restrições de crédito. “Às vezes, as pessoas se atrapalham, mas não é porque elas querem. Eu consegui negociar num feirão o pagamento da dívida e o novo valor foi para R$ 2 mil. Isso porque os juros foram perdoados. Agora tenho sido mais cautelosa quanto aos meus gastos para não cair nessa cilada novamente”.

Como sair do vermelho

De acordo com o especialista em finanças Fernando Almeida, antes da pandemia o número de inadimplentes já era alto. “Com a inflação alta, desemprego e queda na renda das pessoas, a quantidade de endividados só vem aumentado. A cultura do brasileiro também é uma coisa que precisa ser mudada. Eles adquirem contas sem saber se conseguirão ter o dinheiro para quitar. Não pensam numa possível emergência ou gastos extras e comprometem o orçamento familiar”.

Ainda segundo o especialista, o ideal é guardar uma parte dos ganhos, quando possível, para ter uma reserva financeira. “Anote todos os gastos mensais, evite compras supérfluas e o uso do cartão de crédito. Priorize o pagamento de financiamentos ou parcelas de empréstimos. Outra dica é não esperar a empresa ou os famosos feirões limpa nome. O consumidor também pode entrar em contato com o credor para buscar uma renegociação. Veja como está sua vida financeira e calcule o quanto de dinheiro pode ser direcionado ao pagamento da dívida”, explica.

Lei do Superendividamento

Com o objetivo de ajudar aqueles que estão com pendência financeira, a Lei 14.181/2021, popularmente chamada de Lei do Superendividamento, foi sancionada no dia 1º de julho. Para Ione Amorim, economista do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), a aprovação foi positiva. “Ela proporcionará aos consumidores, além da recuperação financeira, o resgate do seu poder de compra e dignidade, interrompendo o ciclo de cobranças constrangedoras e obtendo maior consciência sobre uso do crédito e educação financeira”.

Entre as novas regras, agora os consumidores têm o direito de negociar suas dívidas com todos os credores ao mesmo tempo, com a garantia de mínimo existencial para despesas básicas. “Isso é importante, pois eles podem incluir no acordo as pendências com contas de energia, abastecimento de água, entre outras de uso contínuo. Sobretudo nesse momento de crise econômica e sanitária quando todos se descontrolaram financeiramente. As instituições financeiras são obrigadas a se posicionarem e garantir um acordo mais justo para ambas as partes”.

A transparência sobre os riscos da contratação de crédito agora é obrigatória. Segundo a economista do Idec, os bancos estão proibidos de ocultar os riscos para o consumidor e deve ser claros durante todo o processo. “Também precisam informar o custo efetivo total do crédito contratado. Todos os juros, tarifas, taxas e encargos sobre atraso, por exemplo, devem ser comunicados de forma adequada”.

A lei ficou em tramitação no Congresso Nacional por quase 10 anos. “Houve forte pressão dos bancos para que a proposta não avançasse. O texto sofreu várias alterações nos últimos anos, chegando para sanção presidencial com vetos a pontos significativos que ainda beneficiam as instituições financeiras. O presidente Jair Bolsonaro rejeitou o item que proibia expressa ou implicitamente que ofertas de crédito, publicitárias ou não, fizessem referência a termos como ‘sem juros’ ou ‘com taxa zero’. Foi vetado também o dispositivo que estabelecia que, nos contratos de crédito consignado, a soma das parcelas reservadas para o pagamento das dívidas não podia ser superior a 30% da remuneração mensal do consumidor”, finaliza.