Em 2020, manifestações contra o racismo se espalham pelo mundo BAIXE AGORA O aplicativo ocial da Rádio Itatiaia A Rádio Itatiaia está ao seu lado, no seu bolso, na sua bolsa, na sua mesa e na sua vida. Baixe o nosso aplicativo em seu smartphone ou tablet – android ou ios – e ouça a Itatiaia 24h por dia, em tempo real, em qualquer lugar do mundo. ma pandemia que acontece há um bom tempo e cuja cura ainda não foi encontrada. Não estamos falando da COVID-19, mas dos inúmeros casos de racismo que dividiram os holofotes com o coronavírus nas últimas semanas.
João Pedro Mattos Pinto, de 14 anos, morto a tiros pela Polícia Militar, no Rio de Janeiro, dentro de casa enquanto brincava. George Floyd, 46, morto sufocado por um policial de Minneapolis, EUA, após, supostamente, usar uma nota falsa de US$ 20 em uma loja. E Miguel Otávio de Santana, 5 anos, morto após ter sua segurança negligenciada pela patroa de sua mãe e primeira -dama de Tamandaré, caindo do 9º andar do prédio em que ela trabalhava como empregada doméstica.
Todas as vítimas são negras e, por isso, o tema racismo tem sido destaque na mídia. No Brasil, os números relacionados à desigualdade racial são expressivos. Apesar de pretos e pardos representarem 56% da população, eles são minorias em espaços importantes: apenas 29% do grupo ocupa cargos de gerência nas empresas.
Dentre os 10% dos brasileiros com menor renda mensal, 75% são negros. Uma estatística ainda mais grave aponta que as chances de uma pessoa negra morrer vítima de homicídio é 2,7 vezes maior que a de um branco. De janeiro a novembro de 2019, Minas Gerais registrou 384 denúncias de crimes raciais, totalizando mais de um caso por dia.
O doutor em Teoria do Direito e Ética Social e coordenador do Grupo de Pesquisa Étnico Racial e Diversidade de uma faculdade de Belo Horizonte, Luciano dos Santos, explica que casos de racismo sempre aconteceram, porém, tem sido cada vez mais denunciados. “As pessoas racistas acreditam que são superiores aos negros. Essa é uma mentalidade errônea em decorrência da própria sociedade que fez essa divisão por cor de pele e de cabelo. O racismo é um transtorno social. A grande dificuldade de uma parcela da população em combatê-lo está na falta de uma mudança interior e empatia. A violência contra negros foi banalizada”.
Após a morte de George Floyd, os norte-americanos puxaram uma série de manifestações antirracistas que tem acontecido ao redor do mundo. “Todos esses atos são fundamentais para fortalecer a luta da população negra contra o genocídio cotidiano. O caminho do povo negro é o grito pela liberdade, respeito e direito de ser e de viver sua vida e história, tendo as mesmas oportunidades da população branca. Por isso, os manifestos vêm fortalecer a luta contra o racismo e a morte de milhares de pessoas negras no EUA, no Brasil e no mundo”.
Contudo, em alguns lugares, os manifestos geraram quebradeira, prisões e até mortes. “Sou contra todas as formas de violências. Mas, ao analisar a morte de George Floyd, as pessoas negras reagiram ao absurdo do fato numa sociedade que é marcada fortemente por atitudes racistas. O dia em que não houver mais racismo e o genocídio negro, com certeza, não haverá a prática da violência como os protestos que estão ocorrendo nos EUA”.
Ele acrescenta que a população negra está cansada de ver os fatos se repetirem todos os dias. “É fácil criticar, entretanto, difícil é se colocar no lugar e na dor do outro. As pessoas negras não devem ser julgadas pelos seus protestos, pois estão em seu direito, ou seja, ‘decidi não mais servir e sereis livres’”.
Privilégio branco
“Acesso à educação de qualidade, não morar em área de risco, não sofrer preconceito pela cor da pele, não ter dificuldades de criar laços de amizade, acesso ao sistema de saúde particular, não enfrentar violência policial direta, maiores oportunidades às vagas de emprego, etc, são alguns dos privilégios que os brancos têm na sociedade. No Brasil, o racismo é um fato generalizado que está vinculado ao preconceito de marca, baseado na cor da pele. Ele estrutura as relações cotidianas e de poder, gerando continuamente os privilégios para as pessoas brancas”, explica Santos.
Ele esclarece que o privilégio branco é uma herança da escravidão e se tornou, historicamente, um fator silencioso e naturalizado nas relações humanas, condicionando os negros às péssimas condições de vida. “Ele impede o reconhecimento afetivo, jurídico e solidário com a população negra em nosso país”
O especialista afirma que a compreensão desses privilégios é fundamental para os movimentos negros e para a sociedade civil que reconhece essa forma de injustiça histórica perpetrada desde o período da escravidão. “Não podemos concordar com um Estado Democrático de Direito fundado em privilégios, mas sim construído a partir da igualdade perante a lei, conforme os direitos fundamentais e sociais presentes na Constituição Federal brasileira de 1988”.
Ele ressalta que pessoas brancas têm um papel a ser exercido na luta antirracista e que passa pelo reconhecimento afetivo, jurídico e solidário. “Somos uma sociedade em sua diversidade cultural, porém somos todos ‘filhos e filhas’ da mãe terra. Os indivíduos brancos devem se comprometer para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. É preciso despertar deste status quo de violência física e verbal contra a população negra no Brasil e no mundo. Ninguém nasce racista. É um aprendizado reproduzido na sociedade. Assim, precisamos repensar a nossa educação e a nossa relação com as pessoas não mais pela cor da pele, mas pelo direito de ser e de viver”.
Soluções
Santos considera que o ser humano pode modificar a sua forma de pensar e de agir para que o racismo seja eliminado. “Infelizmente, onde existir a espécie humana haverá a possibilidade de comportamentos racistas. Há muitos caminhos traçados na sociedade como os movimentos negros e o estudo da cultura afro-brasileira em nossas escolas. O Grupo de Pesquisa Étnico Racial e Diversidade no qual participo, por exemplo, foi criado para a superação do racismo e reconhecimento da diversidade sexual, cultural, política e religiosa”.
Ele acredita no caminho da educação, do reconhecimento nas esferas do afeto, do direito e da solidariedade. “Todas as instituições devem se unir e trabalhar para que esses comportamentos não sejam aceitos. É uma conscientização em massa e permanente. É preciso se permitir ao reconhecimento recíproco e vencer o privilégio branco por meio de oportunidades. As crianças aprendem com os adultos. Assim, os adultos devem modificar as suas atitudes, caso carreguem consigo, o sentimento racista de superioridade”