O cineasta Thales Corrêa, 31, nascido em Campo Belo, no interior de Minas Gerais, só pisou no cinema aos 16 anos, quando foi a Juiz de Fora, que fica a mais de 300 km da sua cidade natal. Assistiu “O Segredo de Brokeback Mountain” e não conseguiu tirar nem a história nem a magia do cinema da cabeça. Thales frequentou a Escola de Cinema da UCLA e possui no currículo exibições em Cannes de seus dois últimos curtas-metragens, “Parents” e “Milvio”. O Edição do Brasil conversou com o mineiro radicado em Los Angeles sobre o lançamento de seu primeiro longa-metragem “Nos Becos de São Francisco”, sua trajetória no cinema e representatividade LGBTQ+ nas telas.
Como foi sua trajetória no cinema desde que saiu de Campo Belo?
Sabia que queria fazer algo na área de entretenimento desde novo, mas não conhecia muito. Em Campo Belo, não tem nem salas de cinema, então o acesso à cultura era difícil. Assistia pela TV novelas e filmes alugados em VHS. Quando tinha 16 anos fui a um cinema, em Juiz de Fora, sozinho e assisti “O Segredo de Brokeback Mountain”. Sai da sala completamente modificado e até hoje me arrepio ao assistir esse filme. Mas, não tinha noção nenhuma de como era feito um longa até estudar nos EUA. Nos primeiros meses de faculdade, eu já tinha criado um clube de produção. E, a partir disso, fui contratado para produzir um minidocumentário para a minha escola, umas campanhas para área de saúde e outras produções de vídeo. Recebi várias bolsas para continuar meus estudos. Depois de alguns anos fiz meu primeiro curta “Parents”, inspirado na canção de “Pais e Filhos”, da Legião Urbana.
Quais são os principais desafios para engrenar uma carreira de cineasta em Los Angeles?
É uma competição acirrada. Los Angeles é o centro do entretenimento mundial. Diariamente são produzidos milhares de filmes, séries e diversos conteúdos audiovisuais. É engraçado ir ao Starbucks e ver a maioria das pessoas sentadas com seus computadores com o programa de escrever roteiro aberto. A concorrência eleva o padrão de qualidade, então você precisa fazer uma coisa muito boa para conseguir ganhar algum destaque. E, para um imigrante, como eu, ainda tem o desafio da língua e da cultura, que chega a ser um desafio diferenciado quando se trata de fazer cinema por aqui.
E quais são as diferenças em investir numa carreira no Brasil e no exterior?
Me mudei para os EUA com 21 anos. Vim com pretensão de estudar cinema, mas comecei em um college que é uma espécie de “pré-faculdade”, na qual você tem aulas de assuntos gerais até definir a área exata em que deseja focar. Na época, estava descobrindo tudo. Saindo da faculdade comecei a trabalhar e fazer meus próprios filmes. Minha experiência com cinema mesmo é apenas aqui. Nunca trabalhei com cinema no Brasil, apenas um papel pequeno como ator, então não sei muito dizer a diferença. Tenho amigos que trabalham no Brasil e o que escuto é que a diferença é falta de mão de obra, de roteiristas e o acesso restrito a equipamentos. Naturalmente, equipamentos no Brasil tem um custo maior do que aqui. E morando em Los Angeles existem mais alternativas, como aluguel e parcerias, o que facilita muito.
Em “Becos de São Francisco”, você explora a temática LGBTQ+ e o gênero de comédia. Como se deram essas escolhas?
A escolha dessa temática se deu pelo fato de estar bastante presente na minha vida. Faço parte da comunidade gay e sempre tratei essas questões com humor. Mesmo quando estamos lidando com um drama, a gente conversa de uma forma cômica no dia a dia. Quando decidimos escrever um roteiro sobre esses assuntos queríamos muito manter a essência e a autenticidade da linguagem da vida real. A preferência de gênero depende muito do que vamos fazer e o assunto tratado. No caso de “Nos Becos de São Francisco” como estávamos fazendo um assunto que, geralmente, conversamos com mais humor, decidimos ir para esse gênero. Tenho tendência a ir para o lado mais dramático quando escrevo roteiros, já fiz suspense, mas costumo me afastar de terror. Adoro consumir comédia e tenho um olhar cômico para as coisas da vida. Escrever comédia é muito difícil, mas gosto de desafios e por isso topei fazer o filme.
Qual é a principal intenção do filme?
O principal objetivo é abrir uma discussão sobre como aplicativos de relacionamentos estão mudando nossas relações pessoais. O universo LGBTQ+ é ideal para explorar o assunto, pois é uma comunidade que já usa essas ferramentas por mais tempo. Porém, vejo muitos héteros passando pelos mesmos problemas com o frequente uso de apps para conhecer pessoas. O filme também tende a explorar questões específicas do universo gay e, com isso, espero que possa trazer um conforto para as pessoas que passam por questões semelhantes. O personagem central passa por uma situação e decide se colocar na frente e valorizar o que é bom para si. O filme traz uma mensagem positiva, apesar de um final não tão convencional como o típico “final feliz” que estamos acostumados.
Qual a importância de vermos cada vez mais narrativas LGBTQ+ naturalizadas e contadas em outros gêneros, além do drama?
Uma das coisas que ouço alguns dos meus familiares dizerem é que eles não têm preconceito com pessoas LGBTQ+, mas dó de vê-las sofrerem. Dó não é um sentimento positivo. Sei que a intenção deles é demonstrar compaixão, mas com tantas palavras de apoio a serem usadas, a que eles escolherem foi dó. Acredito que a razão disso se dá exatamente pelo fato da maioria das narrativas do universo LGBTQ+ serem sempre dramáticas e com um final trágico. É claro que a comunidade LGBTQ+ passou, e ainda passa, por muitas situações e batalhas que poderia apenas ser contadas com tons dramáticos. E é importante respeito a essas histórias que trilharam um caminho para nós. Sou muito fã de Brokeback Mountain e o mais recente Moonlight, mas acho importante também fazer narrativas que mostram personagens LGBTQ+ mais humanizados, inclusos na sociedade e com questões semelhantes às de todo mundo.