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“Liberdade de imprensa não existe de forma plena”

De acordo com a organização Repórteres sem Fronteiras, o Brasil ocupa a 104ª posição do ranking de liberdade de imprensa, dentro de uma lista composta por 180 países. Além disso, a imprensa nacional nunca se viu tão questionada desde as manifestações de 2013, pois os escândalos envolvendo grandes políticos trouxeram à tona discussões sobre o real interesse da mídia em divulgar informações.

Para debater sobre a liberdade e atuação da imprensa, o Edição do Brasil entrevistou Kerison Lopes, presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais e Minas Gerais (SJMG). Ele é formado em Comunicação Social pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e, desde os 13 anos, participa das atividades do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), legenda pela qual exerce o cargo de diretor de Comunicação do Estado.

No Brasil existe liberdade de imprensa?
A maioria da imprensa brasileira é ligada a grupos econômicos e políticos, por isso não vai sair uma matéria contra esses interesses. Além disso, existe um problema grave no Brasil, a cada ano subimos no ranking dos países mais perigosos para os jornalistas, onde muitos são perseguidos e assassinados. Em Minas, já se tem dois casos de profissionais que foram mortos neste ano. Então, a liberdade de imprensa não existe de forma plena.

Os jornalistas do nosso Estado sofreram muito durante o governo de Aécio Neves (PSDB), pois a sua irmã comandava a comunicação com mãos de ferro, apesar do seu cargo ser outro. Ela era, na teoria, a presidente do o Serviço Voluntário de Assistência Social (Servas). Andrea exerceu um papel de muita censura na imprensa mineira, quando impedia que pautas fossem apuradas e publicadas para impossibilitar que os jornais mostrassem o lado negativo do Governo do Estado ou do grupo político no qual pertencia. Ela perseguia jornalistas e obrigou veículos a demitir funcionários. Acredita-se que mais de uma dezena foi mandada embora à pedido dela. Em função disso, quando foi presa, os jornalistas pediram para realizar um evento no Sindicato e instituiu-se, informalmente, o dia 18 de maio como o da liberdade de imprensa em Minas.

Você citou que alguns veículos estão muito atrelados à políticos. O que isso gera para o jornalismo?
Isso causa um cerceamento para o jornalismo. Se o jornal pertence a um político não vai sair nada sobre algo de errado ou desmando que ele cometeu e, além disso, o veículo serve como instrumento de propaganda política. Agora, no caso das TVs e rádios é uma ilegalidade, porque a Constituição veta que políticos sejam donos de concessões de radiodifusão, porém isso é algo exercido no país. E quem sofre é o telespectador ou leitor que não tem a informação correta sobre o assunto.

A rede social trouxe uma forma diferente de se tratar a notícia em questão de liberdade?
Eu acredito que a internet democratizou a informação, afinal ela abriga sites mais abertos e os blogs, nos quais se tem uma liberdade maior, pois eles não pertencem a nenhum grupo econômico ou político. Mas, ao mesmo tempo, a internet trouxe um problema muito grave, porque ela armazena e espalha rapidamente um boato. A informação é ampliada, não se tem apuração e responsabilidade. Se um jornal divulga uma mentira e é desmascarado, a sua credibilidade é atingida e o veículo vai sofrer por isso. Agora, se alguém de um blog publica uma matéria falsa na internet, ela não tem nada a perder. Então, existe uma democracia maior para a informação, mas há também vícios e problemas graves devido à internet.

Como você vê a atuação da mídia nos escândalos políticos?
Podemos dizer que o golpe de 1964 foi dado pelos militares. Já o de 2016 teve a sua força maior, principalmente, no campo judicial, midiático e contou com o apoio do Congresso Nacional, que foi fundamental para o afastamento de Dilma (PT).

É importante destacar que a mídia teve um papel crucial, pois os grandes grupos econômicos e políticos que dominam os veículos tradicionais brasileiros foram essenciais para perpetuar o golpe. Para realizar o impeachment, criou-se um grupo hegemônico e homogêneo que rompeu-se, na semana passada, com a divulgação das denúncias contra Michel Temer (PMDB) e Aécio Neves (PSDB) pelo O Globo. Não foi surpresa para ninguém as denúncias, pois quem é de Minas sabe do esquema do Aécio, Temer é um ladrão e o PMDB é uma gangue.

A mídia já sabia disso há muito tempo e a Globo se antecipou e publicou. Na minha opinião, a emissora está vendo a fragilidade do presidente e tem medo de não conseguir aprovar as reformas trabalhista e da previdência.

A classe dos jornalistas é desunida. Por que isso acontece?
Penso que isso acontece porque, primeiro, não nos vemos como classe. O Mino Carta tem uma frase que ilustra bem essa situação: “O Brasil é o único país em que o jornalista vê o patrão como colega”. Mas como a crise do jornalismo se aprofundou, os salários estão cada vez mais baixos e os patrões não estão cumprindo nenhuma lei trabalhista, os jornalistas estão descobrindo que são trabalhadores e que tem interesses antagônicos ao patrão. Apesar de ainda ser uma classe desunida e ter baixíssimos índices de sindicalização, a crise está mostrando que precisamos nos unir e vamos continuar lutando pelos nossos direitos.