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Eleição 2020: adiar ou não?

Adiar ou não as eleições municipais de 2020? O calendário eleitoral marca a data de 07 de outubro próximo para realização do pleito municipal em que serão eleitos em mais de cinco mil municípios brasileiros prefeitos, vice-prefeitos e vereadores. Há choro e ranger de dentes. Mais do que isso há uma dúvida hamletiana. Na verdade, um impasse jurídico, o verdadeiro nó górdio. Aliás, o nome desse nó lembra o camponês Górdio, da lenda da mitologia grega, escolhido pelo Oráculo para ser o herdeiro do rei da Frígia que morrera sem deixar sucessores.

O humilde camponês tentou mostrar sua gratidão a Zeus, amarrando sua carroça a uma das colunas do templo no Olimpo, em famoso nó impossível de desatar, até que Alexandre, o Grande conseguiu cortá-lo com sua espada. Esse o nó górdio. Aqui na terra de Vera Cruz o Tribunal Superior Eleitoral não quer nem saber desse nó. Está mantendo, impassível, o calendário eleitoral: 04 de abril para filiação, 20 de julho para realizar convenções, 06 de agosto para registrar candidaturas e 16 de agosto para o início da propaganda eleitoral. Quando muito, esse tabu eleitoral em tempos de pandemia de coronavírus conduz a uma inarredável tendência de adiar a data por 60 dias, ou seja, realizar eleição no primeiro domingo de dezembro ou mesmo em janeiro.

Prorrogar mandato a essas alturas, fixando-se em fórmula adrede colocada no Congresso para coincidir as eleições em 2022, dando mais dois anos de mandato para os atuais prefeitos, mais do que um casuísmo, encerra uma absurda inconstitucionalidade. Explico: o artigo 16 da Constituinte Originária diz que toda regra que alterar o processo eleitoral deve vigorar um ano antes do pleito. O atual Congresso pode mesmo assim votar uma PEC às pressas, prorrogar os atuais mandatos dos prefeitos e propor eleições gerais para 2020? A tese é sedutora para os legisladores de compota, que fazem da Constituição um terreno baldio onde todo o lixo é depositado. Comprometeria-me sim com essa tese, em gênero, número e grau se o Congresso Nacional tivesse votado e aprovado essa PEC até setembro de 2019, um ano antes como reza o artigo 16 da Constituinte Originária.

O legislador constitucional derivado, penso eu, não pode derrogar esse princípio da anualidade. O Supremo pode ser mais uma vez chamado a se pronunciar. Lembre-se que pelo princípio da segurança jurídica, em outras vezes o Supremo Tribunal Federal já se pronunciou que PEC aprovada sem observar o princípio da anualidade não vale já para essa eleição, e sim para eleições futuras. Foi assim com a PEC 52/2006, que estabelece nova regra de coligação majoritária e que foi suspensa no Plenário do Supremo por violar garantia fundamental de norma de Constituição originária e o princípio da segurança jurídica.

Em primeiro lugar, está a vida. O combate ao coronavírus tem absoluta prioridade. Entretanto, também está em jogo direito fundamento do ordenamento constitucional e do estado democrático de direito. O Supremo deverá ser chamado se o Congresso cair nessa tentação perigosa. E espero que tenha em mãos a balança de Ihering e a espada de Alexandre. A justiça tem numa das mãos a balança em que pesa o direito, e na outra a espada de que se serve para defendê-lo. A espada sem a balança é a força brutal, a balança sem a espada é a impotência do direito.

*Mauro Bomfim
Advogado especialista em direito eleitoral e constitucional