A primeira sinalização oficial de combate à homofobia no futebol brasileiro tem pouco mais de um mês em circulação. Foi apenas em 19 de agosto deste ano que o Superior Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol (STJD) emitiu uma recomendação para que clubes e federações atuem de forma preventiva com campanhas educativas e que os árbitros relatem qualquer tipo de manifestação preconceituosa nos documentos oficiais da partida. Mas, na prática, pouco mudou.
Os exemplos negativos ainda ganham dos positivos. Em setembro, mesmo o Cruzeiro ganhando do Vasco de 1×0, no Campeonato Brasileiro, a torcida celeste ecoou gritos homofóbicos ao ouvir pelo sistema de som do Mineirão que o Atlético-MG sofreu um gol em outro jogo. Reverberou-se pelo estádio: “Cachorrada filha da pu**, chupa ro** e dá o c*”. Na ocasião, o árbitro Marcelo Aparecido não relatou o ocorrido na súmula. Em outro momento, a homofobia voltou a ser verbalizada, só que pela torcida do Atlético contra o próprio time durante a partida que desclassificou o Galo contra o Colón, da Argentina, pela semifinal da Copa Sul-Americana.
“O futebol é um esporte inventado por homens e para homens. E, assim, ele acaba representando aquilo que temos na própria sociedade: homofobia e machismo. O futebol, na medida em que, é inventado pelas classes dominantes, acaba trazendo e representando os valores dessa classe, tornando-se assim um esporte em que a homofobia é presente”, analisa Silvio Ricardo da Silva, professor de Educação Física da UFMG e coordenador do Grupo de Estudos sobre Futebol e Torcidas (GEFuT).
Para Silva, a coerção ao comportamento homofóbico por parte do tribunal é importante no processo educativo dos torcedores. “Na medida em que um clube for punido, seja com perda de pontos, de campo ou até mesmo ter que jogar com o estádio vazio, os próprios torcedores vão inibir que outros cometam esses atos. A sociedade é muito dúbia em relação a isso, mas, hoje, já existe menos tolerância com as piadinhas e atitudes homofóbicas que existiam tempos atrás”, avalia.
Em agosto, o árbitro Anderson Daronco relatou na súmula da partida entre Vasco e São Paulo, também pelo Campeonato Brasileiro, a ocorrência de um grito homofóbico praticado pela torcida do time carioca. O STJD estipulou prazo de 3 dias para que o clube informasse quais procedimentos seriam adotados sobre o episódio. Na semana seguinte, o Vasco entrou em campo contra o Cruzeiro, no Mineirão, com o time segurando uma faixa lembrando as torcidas o que Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu em junho ao enquadrar a homofobia e a transfobia na Lei do Racismo: discriminação devido à orientação sexual ou gênero é crime. O racismo é um crime inafiançável e imprescritível, segundo o texto constitucional e pode ser punido com um a 5 anos de prisão e, em alguns casos, multa.
Para o pesquisador, o avanço é lento, mas irreversível. “São estruturas muito conservadoras. Elas resistem até porque se consideram grandes representantes desse poder masculinizado de homens poderosos do futebol. Entendo que é importante que haja, principalmente, pelo poder público, um posicionamento ou campanhas, mesmo que o Brasil e o estado tenham governos totalmente insensíveis à questão e que até reforçam essa masculinidade tóxica. Porém, a mídia, a universidade, o poder público devem se unir no sentido de tentar realizar ações educativas. O posicionamento de algumas torcidas organizadas não é o geral. Essa mudança acontecerá aos poucos, mas nós podemos acelerar esse processo”, finalizou.
Sem mudança
Sobre a recomendação e medidas de conscientização de torcedores ou inibição à homofobia, o Edição do Brasil entrou em contato com duas das maiores torcidas dos principais times mineiros.
Por texto enviado, por um aplicativo de mensagens instantâneas, a Máfia Azul informou que: “Não existe e nem pretendemos adotar nenhuma medida. Sobre o anúncio (da recomendação de medidas preventivas à homofobia feito pelo STJD) também não iremos nos pronunciar oficialmente e nem conceder (sic) entrevista”.
Até a publicação desta matéria, a Torcida Organizada Galoucura (TOG) não havia respondido ao contato da reportagem. É válido, no entanto, ressaltar que, em entrevista ao site Bhaz, Josimar Júnior de Souza Barros, presidente da TOG, afirmou que, no que dependesse deles, nada mudaria. “Estão dando um peso maior para uma coisa mínima. Se tiver o canto homofóbico ou não, para a gente não faz diferença. Sempre acontece o canto homofóbico, e, para nós, não vai mudar em nada. Os cantos vão continuar como sempre foram, não vamos parar”, afirmou.