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“Uma sacudida bem-humorada no machismo”, diz autor sobre obra vetada de mostra em shopping

Para alguns, a arte imita a vida. Para outros, a vida imita a arte. Mas ambos parecem concordar: arte e vida são complementares. E, claro, sempre terão impasses. Nessa última semana, em Belo Horizonte, não houve consenso sobre a interpretação de uma obra. De um lado, o artista mineiro Breno Barbosa pensou em uma provocação ao fazer uma cadeira que traz a pintura de um homem nu, sentado e que, inicialmente, foi batizada de “Só para Macho”. Do outro lado, a administração do Ponteio Lar Shopping, que recebeu a exposição “Dança das Cadeiras”, disse sim para todas as outras 52 cadeiras, exceto a de Barbosa, por não achá-la ideal ao público que circula pelos corredores do local.

“São muitas crianças e muitas famílias dentro do shopping. A gente preferiu tomar essa postura tradicional de não a expor por acharmos que uma cadeira desse tipo é para uma galeria ou museu. Simples. Poderia ser considerada agressiva por algumas pessoas, tenho visto isso acontecer em outros lugares do Brasil. Preferimos optar pelo tranquilo”, afirmou Luiz Sternick, diretor de marketing do Ponteio.

Já para Barbosa, a peça, que posteriormente foi intitulada de “José Pinto do Rêgo”, foi motivo de risadas entre amigos. “É um personagem fictício, em homenagem aos designers de móveis que admiro, como Jorge Zalsupin e Joaquim Tenreiro. Quando tive a ideia de trabalhar uma cadeira já ocupada por um homem nu, era uma sacudida bem humorada no machismo e na hipocrisia social, nem de longe me passou à mente censura”, comenta Barbosa.

Segundo o artista, durante a montagem da mostra, um dia antes da abertura, a direção do Ponteio exigiu a exclusão da obra da exposição e do catálogo. Mesmo tendo cedido apenas o espaço, sem participar do custeio do catálogo. “Para mim, é simples: hipocrisia, poder e dinheiro. Um coquetel altamente intoxicante”, disse Barbosa sobre o veto.

A cadeira rejeitada foi acolhida pela Carminha Macedo Galeria de Arte, que fica dentro do shopping. Alguns dias depois, a proprietária da galeria alega ter sido comunicada que também não poderia acomodar o objeto em seu espaço. “Estamos vivendo momentos sombrios. O Ponteio é apenas um reflexo desta nova sociedade, na qual a discriminação e o pré-conceito passaram a imperar”, declarou.

Carminha comparou a situação com a vivida pelo artista realista Gustave Courbet que, ao pintar L’ Origne Du Monde em 1866, que teve sua obra escondida e sequestrada pelo Exército Vermelho, na Segunda Guerra Mundial. Ela só pode ser vista pelo público em 1995, no Museu d’ Orsay, em Paris. “Esta obra fala do corpo que, como diria Nietzsche, é o melhor que temos. É através dele que podemos trabalhar e nos transformar. Barbosa, de uma forma inconsciente, mas humorada, fez essa abordagem que, na verdade, não passa de uma metáfora para nos tirar desta grande pobreza de pensamentos que estamos vivendo”, completou. Luiz Sternick negou que algum pedido sobre retirada da cadeira de dentro da galeria foi feito.

Segundo o curador da exposição inédita, o também artista Hogenério, a proposta foi planejada desde o ano passado. “Quando pensei na exposição, convidei artistas de renome e outros que estavam começando, queria surpreender espectadores que estavam acostumados a ver obras nas paredes, com um trabalho tridimensional. Foram trabalhos maravilhosos”.

O curador não avalia a decisão do shopping como censura. “A direção chegou para mim e disse que não queria a obra na exposição. Quando ela entregue, eu já imaginava e comentei com o Breno, que colocou uma tarja sobre a genitália. Mostrei para a direção e eles disseram: ‘ou você retira essa obra ou sai todas’. Consultei todos os outros artistas sobre a retirada da cadeira e pensamos em outra solução”.

Entre as cadeiras expostas, a intitulada “Assentamento”, de Raquel Isidoro, traz a figura de um órgão genital feminino. Outra, com forma de uma cadeira elétrica, leva o nome de “Tortura Nunca Mais”, de Jáder Rezende. Já a de Joseph John, que foi batizada de “Aham, Cláudia, Senta lá”, traz cacos de vidros cortantes num convite “irônico à reflexão sobre comportamento, pensamento e castigo”.

Já José Pinto do Rêgo, ao que tudo indica, ganhou um novo espaço: o estilista Ronaldo Fraga acolherá a cadeira, no Grande Hotel que leva seu nome, no bairro Funcionários na Capital. Em apoio ao artista, outros expositores também retiraram suas cadeiras. “A data ainda está em discussão, mas adianto que será ainda em setembro”, garantiu Barbosa.