A tecnologia tem avançado nos últimos anos e tornado os processos mais rápidos e dinâmicos. E, com o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), o progresso não poderia ser diferente. Depois de mais de 20 anos sendo aplicado no modelo tradicional, usando papel e caneta, o Ministério da Educação (MEC) anunciou que a prova passará a ser totalmente digital até 2026. Para o próximo ano, 50 mil candidatos de 15 capitais terão a opção de realizar o teste nessa nova modalidade.
Milhões de pessoas dependem da realização desta prova, uma vez que as notas são usadas para ingressar em universidades e institutos públicos, concessão de bolsas de estudo no ProUni e financiamento estudantil no FIES. A notícia pegou alunos, pais e professores de surpresa e dividiu opiniões. Isso porque o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), responsável pelo exame, não deu muitos detalhes de como será a prova. Para discutir essas questões, o Edição do Brasil conversou com Caio Sato, coordenador do Núcleo de Inteligência do Todos pela Educação.
Como você avalia essa transição para o formato digital?
O que observamos deste anúncio do MEC e Inep é que eles pretendem fazer uso da tecnologia de uma forma sofisticada, não sendo meramente uma digitalização da prova. Será possível aplicar o que alguns especialistas chamam de avaliação adaptativa. Um modelo que assegura a diminuição dos custos do Enem e consegue viabilizar o exame em outros momentos durante o ano, o que diminui a pressão do candidato de ter apenas uma chance de ingressar no ensino superior.
A mudança para o digital pode ser positiva, mas para que se torne viável é preciso uma estratégia muito bem construída para superar as barreiras de infraestrutura que ainda temos no país. O processo não será trivial e para aplicar esse modelo um pouco mais sofisticado, será preciso desenvolver um banco de itens e comprar tecnologias. Isso tem um investimento alto e pode levar tempo. O MEC precisa ser claro sobre como vai funcionar todo esse processo, afinal o Enem já tem um histórico de aplicação em papel.
Qual a vantagem do exame digital?
Se a aplicação acontecer de forma sofisticada e vier acompanhada dos benefícios da tecnologia, teremos algumas vantagens. Uma delas é poder medir o tempo gasto pelo aluno em cada questão. Na avaliação adaptativa, na medida em que a prova é resolvida, é possível identificar se o estudante já absorveu determinado conhecimento, podendo calibrar o nível de dificuldade das questões. Além disso, será possível inserir elementos interativos como vídeos e áudios, o que não acontece em uma prova impressa. Também é um formato mais inteligente, pois permite avaliar outras habilidades dos estudantes como as socioemocionais.
sobre o risco de vazar informações, como fica a segurança do exame?
Não há como afirmar se aumenta ou não o risco de vazar informações. A transformação para o digital acrescenta a dimensão cibernética e traz uma complexidade e um risco novo ao processo, mas não deve ser encarado como algo que deva inviabilizar a implantação. No Brasil, o momento mais importante da nossa democracia, o voto, já é realizado de forma eletrônica por meio das urnas.
Por um lado, o tempo do sigilo das informações aumenta na aplicação digital, pois os dados podem ser liberados bem mais próximos da realização do exame. No físico, ainda é preciso diagramar, mandar para impressão na gráfica e distribuir para as localidades. Com isso, mais pessoas têm acesso ao material.
O Enem será totalmente digital até 2026. Esse prazo é suficiente?
É preciso deixar que o tempo mostre se o prazo será suficiente, mas essa escolha de fazer a mudança gradativa foi bem feita, uma vez que o exame é muito importante na vida dos estudantes. Como a aplicação digital será opcional nessa fase de implantação, o MEC terá tempo de aprender e fazer as correções necessárias.
O formato pode aumentar a desigualdade?
Fazer a prova no papel é diferente do que pelo computador. O Inep e o MEC precisam levar em conta que essa transição tem que ser feita com atenção e cuidado para que não se acentue a desigualdade. É necessário detalhar os planos para que os estudantes mais vulneráveis não sejam penalizados com a mudança, pois muitos ainda não têm domínio de computadores. Os alunos da rede privada de ensino, desde o começo da escolaridade, já tem contato com laboratórios, não apenas de informática, mas também de ciências. Eles possuem uma maior familiaridade com o mundo da tecnologia. A capacitação dos estudantes, professores e aplicadores do exame deve sofrer mudanças ao longo dos anos.
Essa mudança pode ser um incentivo para ampliar o número de computadores nas escolas de todo país?
Sim, o que implicaria em mais gastos com a mudança. Mas o MEC e Inep não sinalizaram a compra de equipamentos. O que deve acontecer é o aproveitamento das instalações e infraestrutura de outros locais disponíveis na localidade para fazer a aplicação do exame.
No formato 100% digital, as taxas e custos de aplicação podem ficar mais baratas?
O Enem já é gratuito para alunos que estudam em rede pública ou que solicitam a isenção da taxa de inscrição. O formato digital pode baratear o processo, porque grande parte dos custos de aplicação é e impressão, embalagem e distribuição da prova.
Poucas capitais da região Nordeste farão parte da aplicação digital. Há alguma razão para esse fato?
O MEC não esclareceu os critérios de seleção das capitais, mas acredito que tenha relação com a disponibilidade de recursos. As regiões Norte e Nordeste tendem a ter uma escassez maior de computadores, conectividade e infraestrutura para operacionalizar a mudança.