O Carnaval do belo-horizontino começou bem antes dos quatro principais dias de folia e a preparação envolveu, inclusive, os trajes que serão usados. Dias antes da festa, o clima ao longo de todo o quarteirão que rodeia a Avenida Oiapoque, complexo conhecido pelas inúmeras lojas e camelôs da capital, era carnavalesco. Mas entre plumas, purpurina e paetês, um acessório era presença unânime nas lojas e até bancas de jornais: máscaras de políticos como o presidente Bolsonaro (PSL) e do ministro da Justiça Sérgio Moro. Perto dali, na Rua Espírito Santo, uma loja especializada em adereços de festas tentava emplacar a venda da máscara do ex-presidente Michel Temer (MDB).
Todos dividiam as prateleiras com personagens populares. Entre eles, o ator Fábio Assunção que, apesar de uma campanha nas redes sociais conscientizando sobre a dependência química, viu seu nome ser associado ao “modo Assunção” e a Jenifer do Tinder, interpretada pela atriz Mariana Xavier do hit de Gabriel Diniz. Segundo os comerciantes, a máscara mais vendida era a de Fábio Assunção, mas houve cliente que disputasse a de Moro para completar o traje da fantasia de super-homem.
O dono de uma banca de jornal no bairro Prado, Henrique Gonçalves, 40, presenciou a cena dos amigos que compraram um kit com as máscaras de Bolsonaro, Moro e Assunção por R$ 9,90. “As pessoas que compraram estavam brigando para ser o Moro”, ri. Mas nem todas, para ele, tinham cunho positivo. “A do Fábio Assunção faz alusão a deterioração do ser humano porque ele está sendo reconhecido como ícone da esbórnia. Do Bolsonaro até acredito que seja por idolatria”, analisa.
Diferente do comerciante que vendeu apenas um kit, uma loja na Savassi já tinha vendido uma caixa de 50 unidades. “Está saindo muito, mas não dá para saber como o pessoal vai usar”, comenta a funcionária Alaíde Santos, 32. Por lá, era possível comprar uma máscara de papel com o rosto de Moro impresso por R$ 9,99. Em outra loja do Centro foram encontradas máscaras semelhantes a R$ 12.
Transgressão dentro da ordem
O sociólogo e cientista político Rudá Ricci ressalta que o brasileiro utiliza da ironia e da sátira contra políticos desde quando os blocos de ruas foram proibidos no início do séc. XX, no Rio de Janeiro. “Faz parte de uma pantomima que de alguma maneira o Carnaval retoma. Uma forma artística e livre da rua”, afirma. Segundo o sociólogo, a prática é comum e não escolhe partidos. “Já teve máscara da Dilma e do Lula”.
Para ele, é um palpite das fábricas de máscaras. “Se eles foram eleitos e estão aparecendo, é óbvio que tem um eleitorado favorável. É uma aposta porque a última pesquisa divulgada demonstra que o Bolsonaro perdeu 52% do apoio popular que tinha em dezembro”, avalia.
A doutora em ciência política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Mariah Quintal acredita que o ministro e o presidente caíram no gosto dos foliões por serem as principais figuras do grupo político atualmente no poder. “Moro divide opiniões, assim como Bolsonaro. Eles se tornaram os personagens preferidos, ou para serem celebrados ou criticados e ironizados, como é de praxe na festa”, diz.
Para ela, é incomum que ministros de governo se tornem figuras de grande visibilidade, mas Moro é um caso à parte. “Devido às circunstâncias dos últimos anos, o Moro se tornou não apenas um juiz ou um ministro, mas uma figura política, principalmente por todo o processo de julgamento e condenação do ex-presidente Lula”.
Mas os representantes políticos na hora da folia seria uma insatisfação ou aproximação das pessoas com a política? A especialista explica que é um pouco dos dois. “A gente vive um momento muito complexo e polarizado. Existem aqueles que querem celebrar o momento, mas obviamente tem quem os vejam como figuras a serem criticadas ou mesmo ridicularizadas”, opina Mariah. “Uma transgressão dentro da ordem, é assim que os estrangeiros definem o Carnaval do Brasil”, resume Ricci.