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Por que tudo aumenta junto com o salário mínimo?

O ano começou com um aumento de R$ 44 no salário mínimo, o que elevou o valor para R$ 998. Esse acréscimo representa 4,61% sobre os R$ 954,00 que vigoraram em 2018. Na prática, o trabalhador ganhou poder de compra de três pacotes de 5kg arroz. Mas, quando o assalariado vai ao supermercado ou soma as contas no fim do mês, a sensação é de que tudo aumentou junto e que, no final, ele continua com a mesma renda. Não é mera sensação.

O Índice do Custo de Vida (ICV), calculado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) registrou variação acumulada de 3,89% em 2018, 1,45 ponto percentual superior à de 2017. Entre os 10 grupos que compõem o ICV, cinco tiveram variações superiores à inflação de 3,89%, entre janeiro e dezembro de 2018. São eles: transporte (6,05%), despesas diversas (5,21%), educação e leitura (5,03%), habitação (4,10%) e alimentação (3,95%). Nos outros grupos foram observadas taxas menores ou negativas: despesas pessoais (3,64%), saúde (1,98%), equipamento doméstico (0,74%), recreação (-0,39%) e vestuário (-1,59%).

O doutor em economia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Fabrício Missio explica que existem dois fatores para entender como o salário é dilacerado por uma economia que não vai bem. “O salário é componente importante dos custos das empresas que, por sua vez, são repassados para os produtos. Então, no final, parte do ganho salarial ou até sua totalidade é corroído pelo aumento de preços. Por isso, o assalariado tende a não sentir nenhum efeito do aumento da renda”.

Outro fator macroeconômico é que o consumo cresce, mas como a produtividade não acompanha, a solução para o empresariado é aumentar os preços. “Com o acréscimo do salário, a quantidade de dinheiro que circula na economia expande. Isso eleva o consumo das famílias. Para uma economia com restrição de oferta, ou seja, que não está tendo investimento nem aumento da produção, que é o caso da economia brasileira, implica novamente em uma pressão sobre o nível de preços. Logo, a ampliação do salário que vem acompanhado de um acréscimo de nível de preço, não eleva a renda do trabalhador”.

É o que a aposentada, por um salário mínimo, Geni dos Santos sente na ponta do lápis todo fim de mês. “Se você for encher o carrinho do supermercado, o dinheiro fica todo lá. A mesma coisa na farmácia, quanto mais velho a gente fica, mais gastos temos, mas o salário nunca dá”, conta.

Com R$ 998,00 e a cesta básica de janeiro estimada em R$ 471,44, o mínimo tem poder de compra equivalente a 2,12 cestas básicas. De acordo com a Pesquisa Nacional da Cesta Básica de Alimentos, realizada pelo Dieese, o valor mínimo necessário para pagar alimentação, transporte, habitação, equipamento doméstico, vestuário, educação e leitura, saúde, recreação, atualmente, no Brasil, deveria ser de R$ 3.960,57.

E agora, salário mínimo?
Até 2018, vigorava a política de valorização do salário mínimo que consistia em: reposição das perdas inflacionárias desde o último reajuste, aumento real de acordo com o crescimento do PIB e antecipação gradativa, a cada ano, da data de reajuste até fixá-la em 1º de janeiro. Esse molde tinha vigência até 2019. Portanto, depois do reajuste e aumento de janeiro, do ponto de vista legal, não existe mais política voltada para o mínimo.

Para Alexandre Miserani, analista econômico e professor de economia, pintar o salário mínimo como vilão é desastroso. “Esse desrespeito acarreta em um mínimo cada vez mais rebaixado. E é um ‘tiro pela culatra’, porque uma vez que o salário está achatado, o nível de consumo também achata. Cada vez mais, a família brasileira vai tendo menos recursos para gastar e, com isso, há um impacto fortíssimo na economia não permitindo que haja incremento no consumo. Um elemento prioritário para economia brasileira”. Para ele, o país terá mais um ano de aumento inexpressivo da economia, também contribuído por falta de política de valorização salarial.

Estima-se que 48 milhões de pessoas têm rendimento referenciado no salário mínimo. O reajuste para R$ 998 injeta R$ 27,1 bi na economia e R$ 14,6 bi correspondem ao incremento na arrecadação tributária sobre o consumo. “Como se o salário mínimo fosse um vilão, quando ele, efetivamente, é uma das possíveis soluções para que haja mais injeção de dinheiro na economia e, obviamente, maior consumo”, explica Miserani.

O economista Missio concorda. “Os efeitos esperados dessa não-política de valorização é que o trabalhador vai ter nos próximos anos um período bastante complicado, sem os aumentos reais que foram conseguidos nos anos anteriores. É óbvio que isso afeta a qualidade de vida do trabalhador e as condições sociais da classe trabalhista do Brasil”, diz.

Para Missio, diminuir os custos de salários não é sinal de economia recuperada. “O grande componente de demanda da economia brasileira vem de consumo que, basicamente, é dependente do mínimo. Isso pode acarretar em uma estagnação do consumo, o que implica em redução da demanda agregada e, consequentemente, a não-aceleração do crescimento da economia”.