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Número de cesarianas quase dobra no mundo

Dados divulgados pelo jornal científico The Lancet mostraram que o número de cesáreas feitas em no mundo praticamente dobrou nos últimos 15 anos. O estudo foi realizado com base nas informações de 169 países referentes aos anos de 2000 a 2015 (índice mais recente). Os procedimentos saltaram de 16 milhões (que representava uma média de 12% dos partos) para 29,7 milhões (21%).

A pesquisa indica que em mais da metade dos países analisados, o índice é alto, pois a cesariana é realizada sem real indicação. No topo da lista estão: República Dominicana, com 58,1% dos nascimentos; e Brasil e Egito, com 55,5%. Os números estão muito acima do que orienta a Organização Mundial da Saúde (OMS). De acordo com o órgão, a taxa ideal é em torno de 10% a 15%.

Para entender um pouco mais sobre o aumento desse índice, o Edição do Brasil conversou com o professor do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da UFMG, Henrique Vitor Leite.

Qual é o principal motivo do aumento no número de cesarianas?
São vários, desde questões estruturais até sociológicas. Antigamente, as pessoas entendiam que a mulher deveria  ser esposa e mãe. Hoje, elas já ocupam outros espaços e grandes cargos do mercado de trabalho. Com a agenda cheia e planejamento de vida, a cesariana passa a ser uma aliada, pois pode ser agendada.

Além disso, houve um excesso de métodos de diagnóstico e a falta de compreensão acerca disso. Quando se expõe algo no bebê, mesmo que não haja nenhum problema grave, causa uma fragilidade na mãe e ela passa a entender a cesárea como a melhor alternativa.

Quando a cesariana é indicada?
A primeira coisa que se deve pensar é que cesariana não é parto, mas um procedimento cirúrgico que deveria ser utilizado para tratar ou prevenir algum agravo na saúde. Essa é a diferença básica. Deste modo, ela só é indicada quando há algum risco para a mãe ou para o bebê no parto normal.

Como esse risco é previamente descoberto?
Por meio do pré-natal, por isso ele é tão importante. Um bom parto começa na gestação. É preciso um especialista que tenha formação para identificar as mulheres que estão nesse grupo de risco e que podem ter algum problema com o parto normal.

Se a mulher não correr nenhum risco, ela pode optar pela cesariana?
Sim, é um direito dela. Existe uma discussão muito grande sobre isso, pois não se sabe até que ponto essa mulher conhece, efetivamente, os riscos da cesariana. O médico tem a obrigação de mostrar isso para ela e as vantagens do parto normal.

Fato é que a grande maioria das gestantes começam o pré-natal muito iludidas. Ou querem o parto normal a todo custo, ou a cesariana de qualquer forma. Quando tem a orientação do especialista, 90% delas passam a desejar o normal e não se arrependem disso.

Por que algumas mulheres criam tanta resistência ao parto normal?
Existe um mito acerca dessa questão: muitas mulheres têm medo. Por mais que a gente oriente e tente desmistificar isso, ainda há quem acredite que a dor é insuportável e que não vai aguentar. Elas acabam vendo isso como uma punição, mas é algo natural. Hoje existem técnicas para aliviar a dor que funcionam muito bem, mesmo se a pessoa não necessitar de anestesia. Falta, também, assistência obstétrica de um modo geral.

Existe uma defasagem na especialidade?
O parto hoje é muito artificializado. O baixo investimento em obstetrícia faz com que o serviço não cresça, o que aumenta a demanda, mesmo nos hospitais privados. Além da redução no número de leitos que existe, a desvalorização financeira, do ponto de vista da assistência, também é uma dificuldade. A mulher, às vezes, quer o parto com o médico que a acompanhou, ele não está disponível e acaba marcando uma cesariana para conseguir conciliar os horários com os plantões.

A cesariana pode trazer alguma consequência para a mulher?
É um procedimento cirúrgico e precisa de cuidados como tal. De um modo geral, não. De um filho para o outro, o médico deverá prestar atenção. Um parto normal após uma cesariana, por exemplo, requer cuidado. Mas tudo depende da mãe e da gestação. Reforço a importância do pré-natal, pois é nele que o médico saberá as condições que a mãe tem para o parto.