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O que economistas pensam das propostas de Bolsonaro e Haddad para a economia

Seja quem for o eleito pelo povo para subir a rampa do Palácio do Planalto no dia 1º de janeiro de 2019 assumirá, além da faixa presidencial, um país com mais de 12 milhões de desempregados e uma economia estagnada. Sobre os programas dos dois candidatos à Presidência, o Edição do Brasil conversou com dois economistas: João Prates, Ph.D. em economia pela Universidade de Cambridge, e Fabrício Missio, doutor em economia pela UFMG. Confira:

Quais são as principais diferenças dos planos de Haddad e Bolsonaro para economia?

Fabrício Missio – O programa apresentado por Bolsonaro tem como foco a redução do tamanho do Estado, a ser perseguida por diferentes mecanismos incluindo a extinção de empresas, a privatização, a redução da carga tributária e a redução da burocracia. O que está implícito nesse modelo é um padrão de crescimento a ser puxado pela iniciativa privada. Nesse modelo pressupõe-se que uma melhor alocação do orçamento será capaz de induzir a iniciativa privada a liderar um processo de crescimento e de geração de emprego. Já Haddad pressupõe um modelo de crescimento econômico com inclusão social com uma atuação ativa do Estado, a partir da retomada de grandes obras paradas no país, e por meio da política de valorização do salário mínimo e da ampliação de acesso ao crédito. O padrão do modelo é o de crescimento puxado pelo aumento dos níveis de gastos, tanto das famílias (impulsionadas pelo crédito) como do Estado, a partir de determinadas políticas que visam tirar o país da recessão.Vale ressaltar que ambos os programas mostraram preocupação com a estabilidade econômica, no sentido de manter a inflação baixa e de reduzir o endividamento público.

João Prates: O programa de Bolsonaro afirma que realizará o ajuste fiscal reduzindo gastos do governo federal focando na folha de pagamentos e nas desonerações e renúncias fiscais. É muito difícil reduzir o tamanho da folha de pagamentos do governo, a maioria dos funcionários é concursado e tem estabilidade. Outra proposta seria de complementar os recursos necessários para o ajuste via privatizações. É muito pouco claro qual será realmente o plano, pois as empresas que gerariam grandes montantes se privatizadas são a Eletrobras e a Petrobras. Contudo, ele já afirmou algumas vezes que não privatizará empresas de áreas estratégicas. O candidato propôs também uma reforma da previdência para ajudar no ajuste. Porém, o ajuste proposto não parece ser crível, e carece de maior detalhamento e estruturação. É importante notar ainda que do lado das receitas o candidato propõe redução de impostos, o que dificulta ainda mais o ajuste fiscal. Parece particularmente inviável uma redução de impostos num contexto de crise fiscal como enfrentado pelo Brasil. Dessa forma, é provável que algumas das propostas do candidato terão de ser revisadas ou abandonadas.

A proposta de Haddad para acelerar o crescimento foca na retomada do investimento público e nas políticas de fortalecimento da indústria e da ciência nacionais. A revogação do teto de gastos seria importante para viabilizar a implementação de tais políticas, que visam elevar o emprego e o crescimento. O principal motor do crescimento, nesse caso, seria a retomada das obras públicas atualmente paralisadas e dos investimentos das estatais, que chegaram ao menor patamar da história em 2018. Vale lembrar que Petrobras e Eletrobras respondem por 93% dos investimentos das estatais, o que ressalta a importância dessas companhias, sobretudo da Petrobras. O programa propõe utilizar 10% das reservas internacional para financiar investimento públicos que chegariam a 120 bilhões de reais (cerca de 2% do PIB). A equipe de Haddad propõe também rever o acordo de venda da Embraer, uma vez que a venda da companhia poderia prejudicar os investimentos e a produção da empresa no Brasil. Além disso, o programa propõe a criação de um imposto progressivo sobre os bancos para incentivar a redução do spread bancário (a diferença entre o que os bancos pagam na captação de recursos e o que eles cobram ao conceder um empréstimo para uma pessoa física), que permanece muito elevado apesar da queda da taxa de juros básica. A redução do spread colaboraria para o aumento do consumo e do investimento, atuando como um motor adicional para o crescimento. Por fim, é importante notar que a proposta de Haddad tem alguns pontos semelhantes à de Bolsonaro, como as propostas de desburocratização e aumento das parcerias público privadas.

O foco de cada plano é claro?

FM: O foco do plano do candidato do PSL é o liberalismo econômico. Grosso modo, o liberalismo pode ser entendido como uma ideologia baseada na organização da economia em linhas individualistas, o que significa que o maior número possível de decisões econômicas são tomadas por indivíduos e não por instituições ou organizações coletivas. Nesse sistema, o Estado deve intervir o mínimo possível na economia, dando apenas condições para que o mercado siga seu curso natural. O foco do plano de governo de Fernando Haddad é o crescimento com inclusão social e com a melhora na distribuição de renda a partir da construção de um novo projeto nacional de desenvolvimento. O modelo pressupõe que as decisões econômicas tomadas pelo Estado são importantes e que ele tem um papel ativo e significativo na economia, especialmente na coordenação e no planejamento do investimento e na construção de sinergias com o setor privado.

JP: O foco dos dois programas é muito claro. Bolsonaro defende a drástica redução do tamanho do Estado, via privatizações e redução de gastos e investimentos públicos. O foco de Haddad é na retomada do emprego e do crescimento, e a redução da desigualdade de renda. Embora o programa de Bolsonaro também mencione a retomada do crescimento, o programa de Haddad discute em maior detalhe as políticas que visam essa retomada, defendendo inclusive que o Banco Central passe a ter como meta a manutenção do emprego além do controle da inflação. Além disso, as propostas de Haddad de reforma tributária e da previdência para aumentar a progressividade se combinariam ao aumento do emprego e dos salários no combate à desigualdade, algo que é muito pouco abordado no programa de Bolsonaro.

Do quê os planos de Bolsonaro e Haddad dependem para funcionar?

FM: A lógica do modelo econômico do plano de Bolsonaro requer que a iniciativa privada lidere um processo de retomada do crescimento. O modelo pressupõe que a desburocratização, a simplificação e a privatização alinhados com a política de redução do Estado é capaz de impulsionar a retomada da atividade produtiva a partir da iniciativa privada. Para funcionar o plano requer, portanto, que os empresários brasileiros sejam capazes de empreender um processo de modernização produtiva capaz de absorver o contingente de trabalhadores desempregados.

A lógica do modelo econômico de Haddad requer a retomada da capacidade de planejamento, coordenação e financiamento do investimento público. Em resumo, para funcionar requer políticas que deem sustentação a demanda agregada e ao mesmo tempo induzam uma mudança produtiva na economia brasileira. Requer, também, que o Estado seja capaz de induzir essas políticas, seja a partir da retomada dos programas de investimentos públicos ou a partir da sua função de regulador do sistema econômico. Neste último caso, as mudanças nos marcos institucionais que visam simplificar e melhorar os processos precisam ser efetivas.

JP: Ambos os planos dependem da aprovação de diversas medidas no congresso, o que dificulta que os planos sejam seguidos à risca. Ambos os planos dependem da aprovação das reformas tributária e da previdência, que são temas extremamente sensíveis e tem fortes impactos de curto e longo prazo. No caso do plano de Haddad, seria fundamental também rever o teto de gastos. No caso de Bolsonaro, o ponto adicional seria aprovar e implementar um amplo plano de privatizações e liberalização comercial.

Na sua análise, existe um plano mais perigoso que o outro para a economia? Por quê?

JP:  Na minha opinião, o de Bolsonaro é mais arriscado. Apostar todas as fichas na privatização, liberalização e redução do estado vai na direção contrária das políticas que levaram os países atualmente de alta renda a se desenvolverem. É inviável para um país grande como o Brasil se desenvolver sem políticas industriais bem estruturadas e duradouras, focadas na transformação da estrutura produtiva nacional e no aumento da produção de alta tecnologia. Tais políticas devem ao mesmo tempo incentivar a incorporação de tecnologia externa e o aumento dos gastos com pesquisa e desenvolvimento, ciência e tecnologia, que são fundamentais para a inovação e o crescimento da produtividade. Essa tarefa é mais difícil do que pode parecer, pois setores de alta tecnologia, como as indústrias química, eletrônica, ou de máquinas especializadas, requerem grande conhecimento científico e elevados gastos com pesquisa, inter-relações com outros setores especializados, e muitas vezes demandam grande escala de produção. A própria experiência brasileira demonstra que períodos em que o Estado atuou de forma a coordenar o processo de desenvolvimento geraram maior crescimento, como foram os governos Vargas, JK, parte do período do regime militar, e os governos Lula. Dessa forma, me parece que a probabilidade do plano de Bolsonaro falhar é maior. Tudo indica que um eventual governo Bolsonaro será mais semelhante ao governo Fernando Henrique, que apesar de ter implementado o plano real e controlado a inflação no primeiro mandato, acabou por entregar baixíssimas taxas de crescimento, em grande medida por implementar políticas semelhantes às propostas por Bolsonaro.

FM: Todo plano econômico tem seus riscos de fracasso. Minha indicação é de que o projeto do candidato Jair Bolsonaro é o mais arriscado, especialmente na conjuntura de crise atual. Em primeiro lugar, porque historicamente os processos de crescimentos de países como o Brasil foram liderados a partir de parcerias que envolveram o Estado e a iniciativa privada, o que não é reconhecido no referido plano de governo. Em segundo, porque historicamente a iniciativa privada no Brasil nunca conseguiu liderar um processo de crescimento sustentado, de forma que é provável que passada às eleições a suposta euforia de segmentos empresariais acabe e, com isso, os investimentos não se realizem e os índices de desemprego continuem elevados ou crescentes. Terceiro, porque embora o plano de governo reconheça a situação dramática da economia brasileira ele não apresenta medidas concretas capazes de amenizar o sofrimento da população. Quarto,  a extensão territorial e a heterogeneidade produtiva da economia brasileira, especialmente quando comparamos áreas mais afastadas com os grandes adensamentos urbanos, requerem políticas específicas de desenvolvimento (em outras palavras, há grande risco dessas regiões ficarem isoladas na ausência do Estado e da iniciativa privada. Quinto, a ausência de políticas setoriais e de desenvolvimento tecnológico, ou mesmo as propostas equivocadas em relação a educação, limitam a capacidade de modernização da produção, o que reforça a percepção de que o Brasil tem vocação apenas para ser a grande fazenda do mundo. Por fim, e não menos importante, porque o plano econômico ataca fortemente os programas de proteção social construídos a um elevado custo ao longo do tempo pela sociedade brasileira. Talvez para quem esteja no topo da pirâmide da distribuição da renda isso possa ser verdadeiro. Para quem está na base, trabalhadores e famílias carentes, o “menos” pode representar a fome, a privação dos direitos sociais e, no limite, a privação da própria vida.