A manteiga e o azeite de oliva, quem diria, estão sendo vistos como ícones da retomada do crescimento econômico brasileiro. Observada a partir da segunda metade do ano passado, a volta gradual desses produtos às mesas da classe C – estima-se que 1,4 milhão de pessoas voltaram a consumi-los – assinala que ela começa a recuperar seu poder de compra. Símbolos da bonança verificada entre 2008 e 2013, período em que mais de 3 milhões de pessoas da classe D migraram para ela, esses produtos, entre vários outros, estavam entre os primeiros a serem cortados das listas de compras da chamada nova classe média quando a prosperidade esboroou-se em 2014. Começou aí um movimento inverso, não dos mesmos 3 milhões de pessoas que haviam ascendido à classe C, mas de cerca de 4,1 milhões, estima-se que voltaram para a classe D ou até mesmo caíram para a classe E.
Agora, parte significativa desses consumidores potenciais começa a retornar. E há realmente sinais de que a recuperação está em curso, de acordo com levantamento feito por uma empresa de consultoria econômica, que detectou um crescimento de 3,1% no consumo da classe C em 2017, contra 1,5% no resultado geral, com destaque para, além de manteiga e azeite, produtos de limpeza, com 10,1% de crescimento, higiene e beleza, (5,5%), bebidas (3,9%) e alimentos (1,3%). Em comparação, a variação global do consumo desses produtos foi, respectivamente, de 8,3%, 4,5%, 2,3% e – curiosamente, no item alimentos –, uma queda de 0,4%. Paralelamente, verificou-se redução no índice de endividamento das famílias, que em 2015 era de 22,8% da renda mensal e, em dezembro do ano passado, de acordo com o Banco Central, havia baixado para 19,9%. Isso, segundo a pesquisa, deve movimentar este ano algo em torno de R$ 124 bilhões na economia. Um reforço e tanto que, espera-se, terá como reflexo, ao final deste ano, uma expansão de 4,7% no comércio varejista.
O fator que está na origem destes resultados é a recuperação de renda, especialmente pela classe C. Há nisso um aspecto curioso: a retomada do consumo neste segmento certamente não provém de redução dos índices de desemprego, pois o Brasil continua com 12,2% de sua população economicamente ativa sem carteira assinada, algo próximo de 13 milhões de pessoas. E não provém, igualmente, de perspectivas de que os postos de trabalho perdidos sejam recuperados. Mesmo que isso aconteça, com certeza não voltarão aos níveis do pré-crise. Há, para justificar essa afirmação tão peremptória, um fato incontestável: o contínuo desenvolvimento e disponibilização de soluções tecnológicas para todos os setores de atividades, mas especialmente para a indústria, que vem provocando a extinção de muitas profissões. E a coisa não vai parar por aí. Estão a caminho, como um exemplo entre muitos, os veículos que dispensam condutores – o que significa que motoristas, em futuro não muito remoto, terão que procurar outra ocupação. Nem sempre a encontrarão, e isto é uma tendência inexorável, como provam os 25,3 milhões de brasileiros que, segundo a Organização Mundial do Trabalho, encontram-se na informalidade ou em formas vulneráveis de ocupação, número que deve subir para 25,8 milhões ao final de 2018 e para 26,2 milhões em 2019 e que não entram nos índices de desemprego do IBGE.
Assim, a recuperação de renda que agora se observa não será sustentável, ainda que as previsões de crescimento da economia para os próximos anos mostrem-se positivas, se não houver geração de empregos em número suficiente para absorver esta legião de desempregados. Algo, convenhamos, extremamente improvável num cenário em que a população brasileira cresce à razão de 0,77% ao ano e os empregos tendem a minguar cada vez mais. Por isto resta como solução estimular uma única alternativa: o empreendedorismo. Não será fácil, pois a cultura da maioria dos brasileiros quanto ao trabalho ainda está historicamente vinculada ao salário mensal, à carteira assinada. Mas o regresso da maior parte daqueles 3 milhões de pessoas à classe C em 2017 deveu-se exatamente ao empreendedorismo. São donos de pequenos negócios, de pequenos estabelecimentos de varejo, serviços e fábricas que estão percebendo a volta de seus clientes e puderam, com isto, reaver suas próprias capacidades de consumo. Não há, acredito, outro caminho, e ainda bem que ele existe. Se não for assim, adeus manteiga e azeite.