Depois de mais de 9 meses de discussão e em meio a intensos debates, o Congresso Nacional aprovou a Reforma Política. As regras foram sancionadas pelo presidente Michel Temer (PMDB) no limite do prazo e algumas já passarão a valer para as eleições de 2018. Entre as principais mudanças está a criação de um fundo eleitoral com dinheiro público, estimado em R$ 1,7 bilhão, para financiamento de campanhas eleitorais, uma vez que as empresas estão proibidas de custear candidatos.
Também foi criada uma cláusula de desempenho, fazendo com que os partidos precisem atingir uma performance eleitoral mínima para ter direito a um tempo de propaganda e acesso ao fundo partidário. Entre outras alterações está a determinação de um limite de gastos para candidaturas conforme o cargo, a impressão do registro do voto e o fim de coligações partidárias a partir de 2020. Para compreender os efeitos da reforma e como essas mudanças vão impactar nas eleições do próximo ano, o Edição do Brasil conversou com o doutor em Ciência Política, Paulo Roberto Leal.
Qual é a sua opinião sobre a Reforma Política?
A questão é que a gente chama de Reforma Política o que é uma mera e usual reforma eleitoral que antecede anos de eleição. Na prática não houve grandes transformações que possam ganhar esse título de reforma. Aconteceu agora a mesma coisa de todos os anos eleitorais dos últimos tempos, ou seja, algumas mudanças pontuais no processo eleitoral e não radicais no sistema político brasileiro.
A Reforma Política pode reduzir a corrupção em campanhas eleitorais?
Pode, no máximo, criar mais dificuldade para que alguém queira fazer coisas ilícitas. Mas imaginar que a mera transformação das regras eleitorais possa coibir a existência da corrupção é um desejo irrealizável. Acredito que temos que pensar em mecanismos não só institucionais, mas de controle social sobre o exercício do poder, que passam não só pelas eleições, mas por um conjunto de outras transformações que precisam ser pensadas de modo mais global.
As mudanças privilegiam interesses políticos?
Toda reforma privilegia interesses políticos. Não há como conceber que os parlamentares, ao votarem algum tipo de transformação, não estejam também calculando que vantagens competitivas podem ter ou deixar de ter. E uma das grandes dificuldades no Brasil e no mundo de fazer transformações mais profundas é justamente essa. Quem vota nessas reformas foi alguém que se elegeu pelo sistema anterior e o tempo inteiro o cálculo do que se ganha e do que se perde com alguma mudança é feito. Parte da dificuldade de formar um consenso para reformas mais estruturais vem exatamente disso. De uma tendência de inação dos parlamentos, porque mexem com algo que é muito delicado para eles, como ganhar ou perder eleições. Portanto, inevitavelmente, existem interesses políticos absolutamente relevantes colocados na hora em que se dá uma posição sobre transformação do sistema eleitoral.
Os partidos precisam atingir um desempenho eleitoral mínimo para ter direito a tempo de propaganda e acesso ao fundo partidário. Como isso pode afetar a atuação de partidos menores?
Na prática isso pode inviabilizar alguns partidos. Do mesmo modo que há um consenso de que talvez temos partidos demais, existe também o risco de que alguns partidos, apesar de pequenos, mas que significam algo, paguem o preço dessa cláusula de desempenho. A grande dúvida é sobre qual deve ser o parâmetro dessa cláusula para que ela não inviabilize partidos que são relevantes para o jogo partidário brasileiro, mesmo que não sejam especialmente grandes. Em momentos futuros, vai se começar a rediscutir quais são os valores adequados para que essa cláusula cumpra a tarefa de enxugar o sistema partidário, sem matar junto com isso alguns partidos que, apesar de pequenos, tem significado e relevante participação no parlamento.
O limite para gastos na campanha possui valores distintos para cada cargo. Como podemos analisar esse cenário?
Há uma brutal demanda da sociedade para que a gente tenha campanhas eleitorais mais baratas. Todos os escândalos de corrupção, ao longo de todos os governos nos últimos 30 anos, envolvem sobra de recurso de campanha, caixa dois, relações de promiscuidade entre financiadores e candidatos e que depois têm consequências no incremento de decisões pouco republicanas. Portanto, mexer no custo das campanhas é absolutamente razoável. Os parâmetros que foram definidos agora, futuramente vão ser reavaliados na medida em que essas regras começarem a alterar em eleições concretas. Mas a necessidade de ter critérios que diminuam esses gastos é bastante lógico, sobretudo no momento em que a sociedade se vê diante de tantas cascatas de crise associadas a isso.
Empresas estão proibidas de financiar candidatos, mas eles podem arrecadar recursos em campanhas online. Como você avalia essa medida?
Não ter dinheiro de empresa é um avanço. No entanto, a cultura política no Brasil é de baixíssima capacidade de arrecadação com base em pessoa física, sobretudo em um contexto em que há profunda descrença nos partidos e na política. O que efetivamente financiará as campanhas, dada a proibição de financiamento empresarial, será o fundo com recursos públicos que foi criado. A doação de pessoas físicas não tem volume capaz de garantir o custeio das campanhas.
O voto deverá ser impresso a partir da eleição de 2018. Isso pode aumentar a segurança para o eleitor?
Não, as nossas eleições com urnas eletrônicas são auditadas por observadores nacionais e internacionais há décadas e funcionam muito bem. Isso vai servir apenas para gerar mais gasto e maior possibilidade de que se tenha demora na consolidação dos resultados. É absolutamente desnecessário, além de ser um retrocesso.
Com essas mudanças, como ficará o cenário de coligações a partir de 2020?
Na prática a transformação é nas coligações proporcionais. São raros os países do mundo em que se permite que na disputa de vagas para o parlamento, o partido possa se coligar do modo como fazem no Brasil. Afinal, não faz o menor sentido que o eleitor vote no candidato do partido A e acabe ajudando a eleger um candidato do partido B. Isso distorce completamente a lógica. Portanto, já era um reclame antigo de todos os analistas de sistemas eleitorais e partidários que não tivéssemos essa permissibilidade na hora de deixar que partidos pudessem fazer coligações para eleições parlamentares.