O Brasil está envelhecendo em uma velocidade assustadora. Até 2060, o IBGE estima que haverá mais de 19 milhões de idosos com mais de 80 anos no país. Mas, o maior agravante é o aumento da violência contra esse grupo. Desde a criação do Disque 100, em 2011, dobrou o número de casos em relação ao maus-tratos contra a pessoa idosa. No Brasil, em 2016, foram contabilizadas 32.632 denúncias. No ranking, a negligência ocupa o primeiro lugar, com 38%, seguida por violência psicológica 26%, abuso financeiro 20% e agressão física 13,8%. Do total, 54% das notificações configuram os filhos como autores do crime. Recentemente, no Brasil, um caso de violência chamou a atenção nas redes sociais e dos veículos de comunicação. No vídeo que circulou na internet, um homem (filho) dava tapas e ameaçava com um pedaço de madeira uma senhora de 84 anos – sua mãe. O caso gerou comoção e revolta da população.
No dia 15 de junho é o Dia Mundial de Conscientização da Violência contra a Pessoa Idosa – data em que os direitos fundamentais dessa parcela da sociedade são colocados na mesa e discutidos com mais avidez. Por isso, o Edição do Brasil conversou com a presidente do Conselho Municipal do Idoso de Belo Horizonte, Sandra de Mendonça Mallet, que também é psicóloga, analista de políticas públicas, especialista em gerontologia e mestre em promoção da saúde e prevenção da violência.
Há um crescimento na violência/desrespeito contra os idosos, principalmente, no seio familiar. Por que isso acontece?
A grande maioria da violência contra esse grupo é por meio da negligência. É preciso que haja uma intervenção do Estado para dar suporte e apoio à essas famílias, pois se nem as políticas públicas com o “boom” do envelhecimento estão prontas para atender essa mudança, imagine a família. Se 10 filhos não conseguem cuidar dos pais, estamos evoluindo para um quadro mais grave, já que a taxa de reposição da sociedade está em baixa (média de 1,5 filho por casal). A legislação rege que o ideal é que a pessoa idosa seja cuidada dentro do seu lar, mas isso não exige o papel do Estado.
Existe algum perfil ou estrutura familiar na qual o idoso é mais vulnerável a violência?
Quando pensamos nesse perfil da família em que sabemos que a negligência pode ocorrer, lembrando que isso acontece por falta de tempo, conhecimento e, até mesmo, condições. Existem outras tipologias de violência além da negligência como a financeira, a física, a sexual e a autonegligência – que é difícil de lidar porque o próprio idoso não consegue mais exercer atividades da vida diária, como tomar um banho, se cuidar e não aceita ajuda da família.
Normalmente, o perfil da vítima é o idoso que precisa de cuidados intensivos para atividades do cotidiano e não construiu grandes laços afetivos no decorrer da vida com a sua família. Outro ponto é o histórico de violência, no qual o próprio idoso foi uma pessoa agressiva e a violência como contexto se perpetua. É difícil estabelecer vínculos nesse cenário, mas tentamos pensar no viés do respeito e cuidado, independente do amor – que é difícil de construir se não existiu no decorrer da vida.
O que se caracteriza violação dos direitos do idoso? Quais são os tipos mais comuns de violência?
Em 2002, a Organização Mundial de Saúde (OMS) apontou que a violência contra a pessoa idosa é qualquer ato único, repetitivo ou omissão numa relação supostamente de confiança e que cause, de alguma forma, dano ou incômodo. Nas tipologias temos a violência sexual, física, psicológica e a financeira. Durante meu mestrado consegui criar um panorama por meio das violações que chegavam ao Conselho (entre 2013 e 2015). E nos encaminhamos para os serviços específicos às denúncias, mas é importante lembrar que o papel da prefeitura é fortalecer vínculos familiares e não de punição. É claro que se o caso for grave, outros órgãos são acionados – nós temos uma rede de proteção ao idoso em que estão inseridos: a Delegacia do Idoso, polícia, Ministério Público etc.
No último ano analisado, verifiquei que o maior índice de violência foi à negligência e o pior, houve um número alto de óbito de pessoas a partir de 60 anos – 26% estavam sendo negligenciados e, consequentemente, gerou óbito, um número alarmante que baliza a necessidade do Conselho criar novas políticas de apoio. A violência psicológica fica em segundo lugar – uma vez que ela passa por todos os tipos de violência, seguido pela financeira e a física.
O Estatuto do Idoso é seguido e, até mesmo, conhecido pela população?
Sempre trabalhamos com a capacitação sobre o Estatuto do Idoso em diversos locais, pois acreditamos que o conhecimento é importantíssimo. Outro ponto é que a legislação deve ser inserida nos eixos transversais da educação e não só do idoso, mas de outras políticas, pois queremos que as pessoas sejam multiplicadoras. Claro, que existem indivíduos que conhecem o Estatuto, mas também tem quem não conhece, ou simplesmente, não quer saber ou não tem acesso.
Quais são as ações que o Conselho Municipal do Idoso realiza para mudar a realidade dessas pessoas?
Nós trabalhamos com dois eixos: proteção e cuidado, valorização e respeito. Sempre fazemos uma campanha em junho, com a Coordenadoria de Direito da Pessoa Idosa e até o dia 1º de outubro (Dia Mundial do Idoso) iremos desenvolver atividades para fortalecer as ações em prol do grupo. O papel do Conselho é exercer o controle social e provocar o poder executivo para as necessidades que verificamos por meio das notificações e conferências.
É importante ressaltar que o país está envelhecendo e as famílias precisam falar mais sobre o assunto. Quando leio os relatórios, em muitos percebo que o maior problema é a falta de comunicação. Em alguns casos, uma simples declaração antecipada de vontade (documento no qual o idoso declara suas vontades) pode evitar muitos problemas no futuro. Precisamos de políticas públicas de impacto.
Sobre as penalidades, o que pode ocorrer com alguém que agride um idoso?
Em relação às punições, elas são várias, desde o regime fechado, semiaberto e aberto. Depende da pena e todas elas estão previstas no Estatuto do Idoso. Mas é preciso está em alerta em relação aos índices das agressões, mesmo porque até 31 de maio, recebemos 156 casos no Conselho Municipal do Idoso.
*Crédito da foto: divulgação