De acordo com estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 9,7 milhões de brasileiros possuem deficiência auditiva, o que representa 5,1% da população do país. No que se refere a idade, quase 1 milhão são crianças e jovens até 19 anos. E uma das grandes conquistas para a comunidade surda é a aprovação da Lei nº 10.436, que marca não só o reconhecimento da Língua Brasileira de Sinais (Libras) como oficial no Brasil, mas também o início da conquista de direitos por parte dessa população. A norma completou 15 anos e apesar dos avanços, os surdos ainda continuam enfrentando barreiras com a acessibilidade.
Para tratar sobre essa questão, o Edição do Brasil conversou com Ulrich Palhares Fernandes, coordenador da Federação Nacional de Educação e Integração de Surdos (Feneis). A entidade filantrópica completou 30 anos recentemente e tem por finalidade a defesa de políticas linguísticas, educação, cultura, saúde, assistência social e defesa dos direitos da comunidade surda brasileira.
Quais as principais conquistas nesses 15 anos?
Além da Lei de Libras, que gerou um empoderamento para comunidade surda de modo geral na empregabilidade e nos serviços públicos, também temos outra conquista importante em 2005, que é o decreto nº 5.626, tornando obrigatória a disciplina de libras nos cursos de formação de professores de nível médio e superior. Outro ganho são os cursos de Libras, tradutores e intérpretes para professores de instituições federais. O decreto também dispõe sobre o poder público e empresas no apoio ao uso e difusão da Libras. Atualmente, o número de universidades que oferecem vagas ao surdo também aumentou, assim como a quantidade de deficientes auditivos cursando mestrado e doutorado e produzindo materiais voltados para a comunidade surda. Temos também aplicativos de tecnologia assistiva que faz a tradução da língua portuguesa para Libras. Uma conquista recente é que pela primeira vez a prova do Enem será traduzida para a linguagem de sinais, o que gera um conforto maior na hora de fazer o exame. Nós também conseguimos a Central de Interpretes, que disponibiliza um profissional para acompanhar o surdo em tarefas do seu dia a dia como resolver assuntos de banco e empregabilidade. Esses são os principais ganhos.
Por que ainda não há intérpretes em novelas, filmes e programas?
Esta é uma situação essencialmente financeira e falta conhecimento sobre aquilo que de fato seja acessível. Seria preciso buscar empresas que oferecem esse serviço, o que envolve algumas questões burocráticas. O que temos são os serviços de legenda como o closed caption, mas não é a mesma coisa se tivesse um intérprete. Eles não entendem que a língua do surdo é diferente da legenda, pois além de não reproduzir com qualidade o conteúdo, acaba perdendo muita informação. Por exemplo, os surdos não têm acesso aos filmes nacionais na televisão e no cinema. Nós temos lutado bastante, mas ainda não conseguimos legenda para os filmes brasileiros. Só depois que o DVD foi lançado é que conseguimos de fato assistir. Em países da Europa já existem jornais e telenovelas de qualidade acessíveis ao surdo com intérpretes. O Brasil ainda está muito atrasado nessa área.
Quais mudanças ainda são necessárias para a plena inclusão do surdo?
Faltam professores e classes bilíngues e escolas inclusivas. Os surdos acabam ficando restritos apenas ao Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES). Porém, a sede fica localizada no Rio de Janeiro e os deficientes auditivos do restante do Brasil ficam sem acesso. Nós ainda temos uma dificuldade de tradução de materiais didáticos para língua de sinais. Falta também uma representação política para a comunidade surda. A única que existe é a Feneis com apenas sete unidades no Brasil todo. A empregabilidade também é limitada e poucos conseguem uma vaga. Seria preciso ampliar a formação e capacitação dos profissionais tradutores e intérpretes. Outra questão é a falta de acessibilidade de cultura em museus, cinemas e teatros. Falta conhecimento de quem é a pessoa surda e suas diferentes identidades.
Como fica o mercado de trabalho e a escolaridade para o surdo?
O mercado ainda é bem limitado, porque a maioria dos surdos possui escolaridade até o ensino médio. Aqueles que possuem ensino tem um acesso melhor, mas raramente é em sua área de formação. Muitos, por exemplo, são graduados em pedagogia e fazem serviços de assistente administrativo. Já os que tem mestrado e doutorado têm conseguido acesso por meio de concursos. O maior problema é a acessibilidade e muitas empresas não tem tecnologia assistiva ou intérpretes, porque acaba onerando os gastos. Outra questão é que os deficientes auditivos não conseguem crescer na empresa e ficam 20 a 30 anos desempenhando a mesma função, além de não oferecerem cursos ou palestras voltados para o surdo. Sobre a escolaridade, existe uma carência muito grande no período de educação infantil. De modo geral, as crianças surdas entram na escola com uma idade avançada com cerca de 6 anos e possuem uma defasagem quando chegam ao ensino fundamental. Eu gostaria que a idade escolar do surdo fosse respeitada. Atualmente temos cerca de 130 surdos no Brasil formados em nível superior entre graduação, mestrado e doutorado.
Ainda existe preconceito? Por que o aprendizado da Libras deve ser incentivado?
Eu percebo que o preconceito tem diminuído, mas acredito que não deve acabar nunca, não apenas com os deficientes auditivos mas com qualquer minoria. Temos líderes do movimento surdo que têm tentado minimizar essas questões e nossa luta é continua. Sobre o aprendizado da língua de sinais, nós temos a Lei de Libras e um decreto, Lei Brasileira de Inclusão, Estatuto da Pessoa com Deficiência e Plano Nacional de Educação. Todos esses documentos e leis garantem o reconhecimento da Língua Brasileira de Sinais como oficial da comunidade surda. Portanto, devemos difundir cada vez mais o acesso para os falantes de língua portuguesa. Muitos tem o pensamento que não precisam aprender porque os surdos tem intérpretes, mas essa é uma língua de formação e constituição do sujeito surdo e deveria estar em todos os espaços sociais para que o deficiente auditivo possa se comunicar com mais facilidade. Se nós surdos conseguimos escrever o português, porque o ouvinte não pode tentar aprender Libras?