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Feminicídio: epidemia nacional

Vítimas do machismo e sexismo, a violência sofrida por mulheres no Brasil não para de estampar as páginas dos principais veículos de comunicação. Em 2017, 1.133 mulheres foram mortas no país. O número cresceu 8,4% em 2018. Um estudo feito pelo professor Jefferson Nascimento, que é doutor em Direito Internacional pela Universidade de São Paulo (USP) apontou que, até o dia 7 de março, foram registrados 340 casos de feminicídio – assassinato por questões de gênero. Os índices mostraram ainda que desse número, 204 casos foram consumados e 136 tentativas, os dados são subnotificados já que nem todas as vítimas denunciam. Há registros de ocorrências em 94 cidades e em 21 Estados. Outro número que chama a atenção é que cerca de 55% dos episódios foram no fim de semana. Estima-se que 500 mulheres sejam agredidas a cada hora no país. E, de cada 10 que chegaram a sofreram violência física, três perdem a vida, segundo o Ministério da Saúde.

Mas a pergunta é: Por que tantas mulheres têm morrido pelo simples fato de serem mulheres? O Edição do Brasil conversou com a fundadora voluntária da ONG SOS Mulher e Família de Uberlândia e pesquisadora do Núcleo de Estudos de Gênero da Universidade Federal de Uberlândia -UFU -, Cláudia Guerra (foto) que apontou falhas nas leis de proteção à mulher e acrescentou que a base para o combate ao feminicídio é a educação.

Hoje, qual é a realidade da mulher no Brasil?

O feminicídio vem crescendo muito e o Brasil é o 5° país que mais mata mulheres no mundo. Do início do ano até agora, o índice foi tão assustador que já é identificado que vivemos uma epidemia de feminicídio, além dos alarmantes dados de violência doméstica.

Por que os índices seguem aumentando?

Temos visto nos últimos tempos uma cultura de disseminação do ódio, misoginia e aversão ao feminino. Hoje, está difícil sair de um relacionamento viva. A recusa do outro, a luta pela autonomia e o direito de ir e vir da mulher podem significar sua morte. Essa violência já é considerada um problema de direitos humanos, saúde pública, segurança, social, cultural e histórico.

As mulheres ainda se sentem inseguras em denunciar e a sair do relacionamento em situações de violência?

Sim, não é simples para uma mulher ir embora. Existe o desencorajamento, a ideia de que ela pode mudar o outro e de que é algo temporário. Falta apoio, infraestrutura e um acolhimento com escuta ativa, ou seja, sem julgamentos e culpabilização de quem é atendida por parte dos órgãos governamentais. Outro aspecto é o medo e a vergonha, além de uma visão religiosa que contribui para perpetuar situações de violência.

O feminismo contribui para o fim dessa cultura machista? Por que muitas pessoas julgam o movimento?

Trata-se, na verdade, de uma questão sexista, porque há uma secularidade cultural que está em várias cabeças e não só na dos homens. É fato que os feminismos contribuem para os avanços e para que as pessoas repensem as construções de gênero, cujo as diferenças são traduzidas em desigualdade. Nesse sentido, o movimento prega a igualdade de acesso, oportunidades, salário e direitos dentro das diferenças, porque cada ser é único.

O feminismo coopera porque problematiza essa violência doméstica e a ideia de que a mulher é uma extensão do homem ou sua propriedade. Os crimes passionais são motivados por uma paixão que tem uma representação social de posse, que não cabe para o século 21, mas que é recorrente.

O que falta para que as mulheres se sintam seguras em expor seus agressores?

Casas de acolhimento que recebam a mulher de forma sigilosa e segura. Isso é importante porque muitas têm filhos e não tem para onde ir e a casa de um parente pode ser arriscado. Outras não têm condições financeiras e fica difícil ter autonomia e se manter.

Não dá para ouvir a demanda e falar: tem certeza que quer denunciar seu marido? A mulher já está em um misto de sentimentos, não só pelos espancamentos, mas pela pressão psicológica vivida. É algo que dói muito, tem violência que marca o corpo e tem aquela que marca a alma.

Existe a Lei Maria da Penha e, agora, há uma contra o feminicídio. A criação dessa segunda norma indica uma falha na primeira?

A Lei Maria da Penha foi criada há 12 anos, mas ainda não foi constituído um juizado especial, criminal e cível para operacioná-la. Existe a Lei do Feminicídio que é de 2015 e, recentemente, criou-se a lei contra a circulação e veiculação de imagens e fotos íntimas, uma vez que o chamado crime de vingança é muito comum após um término.

As leis são importantes, mas insuficientes. Não se trata de aumentar a punição, mas de se investir na educação formal, informal e em uma promoção dos gêneros, igualdade e equidade. É um desserviço quando a gente encontra legislativos que retiram a terminologia de gênero do plano municipal de educação. É básico que, sem as mulheres, os direitos não são humanos e isso perpetuam situações de violências, porque quando acontece o crime, o limite não é colocado e não há a possibilidade de reflexão.

A mídia tem retratado mais o feminicídio? Isso pode, de alguma forma, intimidar os agressores?

É fato que quando falamos junto a mídia, de algum caso, no outro dia o número de atendimentos aumenta. Não há nenhuma pesquisa para a gente dizer que maior veiculação auxilia, mas, com certeza, isso tem estimulado mulheres a se empoderar e buscar autonomia.

O que intimida os agressores é a certeza da punição e de que a sociedade não aceita mais essa violência, mas, infelizmente, a gente ainda culpabiliza as mulheres pela violência sofrida. As medidas preventivas estão aí, mas essa mulher não pode se proteger com um papel na mão. Mesmo que o agressor não possa chegar perto dela, quem garante isso? Elas seguem sozinhas e no risco e os agressores sabem disso.

Como combater o feminicídio?

A educação é a base. Trabalhar desde cedo a questão da igualdade nas escolas é fundamental. Em uma aula de educação física, qual o problema de meninos e meninas jogarem o mesmo esporte? Não há porque separar.

A gente fala que a Lei Maria da Penha criou a cultura de que bater em mulher dá cadeia, mas a maior parte não busca ajuda ou é desencorajada. Se a medida protetiva sai, não há garantia nenhuma de que existam policiais para fiscalizar o cumprimento delas. Não são necessárias mais leis, mas cumprir as que já existem. O Brasil prende muito e mal. Nem sempre o encarceramento é o jeito mais adequado de ressocialização.