O ano não começou bem para os brasileiros, afinal, logo nos dois primeiros meses já fomos atingidos por tragédias que abalaram o país. A primeira foi o mar de lama que engoliu parte da zona rural de Brumadinho, na qual foram contabilizadas 177 mortes e ainda há 133 desaparecidos*; as enchentes no Rio de Janeiro vitimaram seis pessoas, o incêndio no Ninho do Urubu interrompeu a vida de 10 adolescentes; além do adeus a personalidades que marcaram época e revolucionaram suas profissões, como Ricardo Boechat e Bibi Ferreira.
A neurocientista Ângela Mathylde afirma que esse sentimento de angústia generalizado é comum, pois ninguém está preparado para tragédias. “Elas são ocasionais, por isso têm esse nome. Quando acontecem, nos atinge de uma forma que não esperávamos e, algumas pessoas, não conseguem lidar bem com o ocorrido. Elas entram em um estado de estresse difícil de lidar”.
Ângela explica que elas passam a se sentir inseguras quanto ao futuro e esse ciclo pode ser vicioso. “As tragédias trazem uma sensação de menos valia e vazio, pois a pessoa pensa ‘nossa, toda a minha vida eu trabalhei para construir essa casa e agora não a tenho mais’ ou ‘eu criei o meu filho com tanto amor e agora acontece isso’. É um buraco negro. Nesses casos, recomendo procurar um profissional para ajudar no processo do luto”.
Passado o período do luto, a neurocientista diz que vem o da raiva. “Há o empoderamento, principalmente quando o ocorrido envolve vidas. As pessoas querem fazer justiça e que o culpado pague pelo que aconteceu com o ente querido”.
Ademais, a especialista conta que grandes tragédias, como as que aconteceram recentemente, trazem um peso maior quando ocorrem no começo do ano. “Todo mundo acredita que um novo ciclo será de realizações positivas e carregam a esperança de um recomeço, um período melhor do que o anterior. Mas as tragédias não escolhem qual a melhor data para acontecer, elas simplesmente acontecem”.
Em frente
“Estamos abalados. Sonhos foram destruídos de uma maneira muito cruel. Ninguém estava esperando por isso. Meu filho ia casar, estava na fase final da construção de sua casa e também ia voltar a estudar este ano. A ficha ainda não caiu”. Essa é a fala de Mário Antônio Xavier, aposentado, que perdeu seu filho, Gustavo Andrei Xavier, e mais três sobrinhos com a queda da barragem no Córrego do Feijão, em Brumadinho.
Mário conta como foi aquela sexta-feira trágica. “Eu e a minha esposa estávamos vendo televisão quando veio a notícia da queda de uma barragem. As primeiras notícias não eram precisas e não falavam onde tinha ocorrido o rompimento com precisão. Como eu moro perto do local, minutos depois passou um carro de som falando que deveríamos sair de casa. Entramos em desespero e começamos a ligar para o Gustavo. O celular dele só dava caixa-postal”.
O aposentado conta que o sentimento agora é de tentar seguir. “Ainda tenho um sobrinho desaparecido e a falta do corpo ainda nos dá um pouco de esperança, embora as chances sejam praticamente nulas. Sei que temos que continuar vivendo, apesar de não ser um processo fácil”, finaliza.
Dados atualizados no dia do fechamento desta edição, 22 de fevereiro.