A Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), grupo representativo de empresas e entidades das cadeias agroindustriais de aves, ovos e suínos de todo o Brasil, publicou uma carta direcionada ao povo brasileiro, informando que a situação do setor era crítica e preocupante.
Segundo levantamento da entidade, desde o início da greve, foram quase 70 milhões de aves mortas. Volumes próximos de 120 mil toneladas de carne de frango e de carne suína deixaram de ser exportadas.
Ainda de acordo com a ABPA, os animais mortos foram colocados em composteiras nas próprias propriedades, mas o sistema chegou no limite. O risco ambiental e de saúde pública era crescente. Cerca de 1 bilhão de aves e 20 milhões de suínos corriam risco de morte, caso os bloqueios continuassem.
Com menor oferta de produtos, mas com a mesma carga tributária, mesmo custo operacional e possível alta nos insumos para a produção industrial, a produção de alimentos proteicos vai ficar mais cara ao consumidor. A ABPA estima que os valores para a recuperação da normalidade do processo deverão ser 30% acima do anteriormente praticado.
Nos cálculos da Fecomércio MG, as perdas em vendas por todo o país chegaram a R$ 5,4 bilhões por dia.
Para o professor de Direito Tributário e Financeiro da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Flávio Couto Bernardes, o grande reflexo da paralisação foi o reconhecimento de que alguns setores podem afetar drasticamente a economia. “O ministro da Fazenda (Eduardo Guardia) foi sincero ao comentar que a conta será repassada em grande parte por meio do aumento de tributos de outros setores ou globais para o contribuinte, como sempre ocorre na prática do governo. No entanto, o correto num momento de retomada de crescimento para afastar a crise econômica seria o corte dos gastos públicos, pois este valor é alto em número absolutos, mas insignificantes para quem administra uma arrecadação tributária de R$ 1,5 trilhão”, avaliou.
Subestimados, caminhoneiros se uniram pelas redes sociais
Em dois meses, a Petrobras subiu mais de 47% o preço do combustível nas refinarias, seguindo sua política de preços que reajusta os valores quase que diariamente, a depender das cotações internacionais. Na segunda-feira, 21 de maio, os caminhoneiros recebiam o terceiro aumento consecutivo no preço do diesel em menos de uma semana. Foi a gota d’água. A Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (CNTA), que se definia como a entidade máxima representativa dos caminhoneiros autônomos e que já tinha avisado ao Governo Federal sobre a paralisação, em ofício enviado ao Planalto no 16 de maio, cumpriu o que tinha prometido.
No documento, a CNTA apresentava a insatisfação dos caminhoneiros com “constantes aumentos no preço do óleo diesel e a insistente cobrança de pedágio dos motoristas, mesmo quando eles trafegam vazios e com os eixos dos caminhões suspensos”.
O presidente Michel Temer (MDB) parecia subestimar os efeitos da paralisação. Na quinta-feira, 24, no auge do movimento e com a sociedade já sentindo os primeiros efeitos do desabastecimento de combustíveis e alimentos perecíveis, Temer esteve em Belo Horizonte em evento na Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg), no qual anunciou a redução do PIS/Cofins e da Cide sobre combustíveis em tom de solução. Era apenas o 4º dia da greve.
Na sexta-feira, 25, a paralisação chegava ao 5º dia. Nos pontos de ônibus pela capital, o assunto era um só: o clima misturava irritação pela demora do transporte coletivo e indignação pelo preço da gasolina, mas também apoio ao movimento. “Estamos juntos com os caminhoneiros, eles estão certíssimos”, disse Henrique Martins, auxiliar de serviços gerais, que gastou 4h para chegar ao seu destino.
João Luís Souza, caminhoneiro que ficou parado no trecho entre Manhuaçu e Manhumirim, região da Zona da Mata, disse não se tratar de uma greve. “Não foi preciso forçar ninguém, eles pararam por vontade própria”. Perguntado sobre reivindicações da categoria relativas a melhorias nas condições de trabalho, o caminhoneiro com experiência de 20 anos, incluiu a empresa na resposta. “Eu penso assim: se tem condições boas de trabalho para o patrão, automaticamente melhora para o funcionário também”, afirmou.
Pedro Henrique Rodrigues, também caminhoneiro,tomou ciência do movimento pelas redes sociais. “Soube por WhatsApp, Facebook e Instagram. Pode até ter tido reuniões em que eles se posicionaram antes, mas não soube. Foi pouco a pouco, à medida que um caminhão chegava, ia parando e explicando. Assim foi indo até chegar onde chegou”, conta.
Na segunda-feira, 28, a Associação Brasileira dos Caminhoneiros (Abcam) afirmou que a categoria tinha sido atendida em diversas reivindicações, dentre elas o subsídio, pelo Governo Federal, do valor referente ao que seria a retirada do PIS/Cofins e Cide sobre o óleo diesel, o que significaria a redução de R$ 0,46 no preço do diesel. A partir do acordo, os reajustes no valor passam a acontecer a cada 30 dias, o que permitiria certa previsibilidade do transportador para cobrança do valor do frete.
Os pedidos de extinção da cobrança de pedágio por eixo suspenso em rodovias federais, estaduais e municipais, a criação da tabela mínima de frete e a determinação para que 30% dos fretes da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) fossem feitos por caminhoneiros autônomos também foram atendidas.
A CNTA também divulgou nota oficial, na terça feira, 29, em que assegurou ter atingidos todos seus objetivos, mas que a partir do 9º dia de paralisação “os caminhoneiros, suas famílias e toda a sociedade começaram a sofrer um desgaste desnecessário”. As respostas esperadas das estradas não vieram, o que evidenciou o fracasso das entidades sindicais da categoria.
Na quarta-feira, 30, a paralisação perdeu força após o 10ª dia.
Mudança da pauta
As medidas do governo, além de não surtirem efeito no primeiro momento, escancararam também a baixíssima popularidade do presidente Temer. Nas estradas, outras pautas começaram a surgir, a mais grave mostrava que uma parcela, que segundo a Abcam e a CNTA são de pessoas infiltradas no movimento, pedia, em faixas e em grupos de WhatsApp, por uma intervenção militar.
Com as medidas publicadas no Diário Oficial da União, o presidente da Abcam, José da Fonseca Lopes, pediu que os motoristas “levantassem acampamento e seguissem a vida”. Com os caminhoneiros que a reportagem conversou, nada tinha mudado.
Pelo tom dos depoimentos e vídeos que circulavam pelo WhatsApp, as reivindicações saíram do campo econômico e entraram na esfera política, cada um com a sua solução, muitas em tom antidemocrático.
*Até o fechamento desta edição, 1º de junho, tudo indicava que a greve tinha chegado ao fim.