Em entrevista exclusiva ao Edição do Brasil, o desembargador Doorgal Borges de Andrada esclarece qual é, de fato, o papel do Judiciario, além de abordar a violência, a política e a tradição de homens públicos de seus familiares.
Analise o momento polêmico pelo qual passa o Judiciário.
A grande polêmica envolve bem mais o Supremo Tribunal Federal (STF), que na sua maioria não é composto por juízes de carreira. Um bom julgamento exige do juiz total imparcialidade, conhecimento jurídico, experiência na profissão e coragem para decidir, sem ser influenciado ou pressionado pela mídia ou qualquer outra instituição. O juiz tem que estar treinado para decidir com imparcialidade, observando as leis e o direito independentemente se receberá aplausos ou vaias nas ruas, nos aeroportos, ou, se atendeu ou não os anseios da mídia. Já o advogado ou membro do Ministério Público (MP), ao contrário, podem interpretar a lei de modo a tentar obter uma decisão voltada para seu interesse, sem necessidade de buscar imparcialidade. O Judiciário jamais pode ser o centro das decisões políticas do país, pois é um órgão técnico. Infelizmente alguns ministros se tornaram o centro das atenções, proferindo palestras, entrevistas, debates, criando polêmicas sobre política, mas isso é mais próprio dos políticos e incabível para os juízes. Os magistrados devem solucionar as polêmicas e as contradições existentes na sociedade, jamais promovê-las, protagonizá-las ou criá-las por meio de debates e entrevistas de fundo político, a causar insegurança e descrença no Judiciário.
Atuando na área criminal, como o senhor vê a violência no país?
Creio que a raiz da violência está na falta de escolaridade, de educação, de valores e desobediência às regras de convivência humana. Quem se educa e estuda, têm mais chances de se alimentar melhor, de ter mais higiene, melhor emprego, de respeitar o próximo, não furtar, não roubar, não se corrompe e não mata. Todas as sociedades necessitam respeitar valores e regras, aliás, até as tribos mais primitivas respeitam regras de convivência e leis. Mas aqui estamos sem rumo e a violência mata 55 mil brasileiros ao ano, que é o número de soldados dos EUA mortos na Guerra do Vietnã que durou longos 15 anos. São brasileiros matando brasileiros. Outro vetor é o consumo de drogas ilícitas, pois 75% dos crimes tem alguma ligação com isso. É preciso, antes de tudo, derrotar a entrada de drogas e de armas no país. De outro lado, crescem também as ofensas e as calúnias nas redes sociais, são violências verbais tão grandes, que nos envergonha, e sequer tem parâmetro em outro país no mundo.
Como explicar tanta impunidade no país?
Na área criminal as estatísticas mostram lamentavelmente que apenas 8% dos criminosos são condenados pela Justiça. Isso tem motivos conhecidos: primeiro, uma grande parcela da população – por razões diversas – mesmo quando sofrem furtos, roubos, ameaças etc muitas vezes sequer comunicam a polícia e não fazem boletim de ocorrência, então, essa é uma porcentagem de criminosos que sequer será julgada e punida. Em segundo, dentre os crimes que foram comunicados à polícia, muitos nem serão investigados porque a Polícia Civil não tem recurso materiais, nem humanos, e não está apoiada e aparelhada para dar vazão a tanto trabalho, portanto, mais essa grande outra porcentagem de criminosos não será julgada. Em terceiro, dentre os que crimes que serão investigados pela polícia, muitos deles a polícia investiga, mas não consegue identificar o criminoso e naqueles em que há indiciados uma parcela poderá ser absolvida, pois as provas não estão fortes e plenas, porque o Ministério Público falhou no processo. Logo, para diminuirmos essa impunidade, teríamos que começar a fortalecer as polícias. Porém, ninguém fala em fortalecer as investigações e em aparelhar a Polícia Civil, cujo trabalho é chave para combater a impunidade. A política de segurança está em descompasso com a realidade em que vivemos.
Qual a sua opinião sobre a intervenção federal no Rio?
A cidade do Rio de Janeiro não é a capital mais violenta do país, pois várias cidades no Nordeste têm índices de homicídios bem maiores que o Rio. Porém ela é como uma vitrine do país. Não vejo nada de ilegal na intervenção. A segurança pública nos Estados é exercida pelas PMs, a Polícia Civil e o Corpo de Bombeiros, e, no âmbito da União temos a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal e a Força Nacional de Segurança. Parece que o governador do Estado do Rio conclui não ter como gerenciá-la e, em comum acordo, solicitou que o governo federal assumisse a segurança pública. Isso somente se faz via intervenção federal, deslocando e retirando do governador a gestão da segurança e a transferindo para uma pessoa nomeada para ser o chefe da intervenção e gestora dessa área do poder público. Não é comum, mas plenamente legal e, às vezes, necessário.
Como avalia nosso momento político. Temos a velha luta radical esquerda X direita?
Ela está bem viva no país. A par de toda a crise econômico-financeira e da forte corrupção, temos uma instabilidade que os analistas veem muito presente na vida política: a guerra ideológica. Cientistas políticos esclarecem que os adeptos do socialismo-marxismo desenvolvem o trabalho de desconstrução das instituições atuais, por entender que elas estão a serviço do capitalismo liberal. Numa visão mais extrema pregam e lutam para eliminar valores tradicionais e cristãos, pois os acusam de serem pilares da burguesia, tal como a religião, às leis, o Judiciário, a imprensa livre, a família tradicional, a moralidade, as polícias, as escolas etc. Segundo estudiosos, vivemos então no Brasil esse embate: de um lado os que pregam a derrubada desses valores e de outro lado os que lutam pela defesa da democracia liberal, com a liberdade de imprensa, o pluripartidarismo, a livre iniciativa, as eleições livres, direitos esses que inexistem nos país com governo socialista-marxista, como Venezuela e Cuba. Daí todo esse profundo conflito e insegurança na sociedade. Considerando que os extremistas de esquerda comemoram a Venezuela e os liberais lutam contra tal modelo, vivemos aqui, ainda, nesse estágio primário da política, que na Europa e na Ásia já foram superados e sepultados politicamente há décadas.
É difícil carregar tanta tradição familiar que vem desde o patriarca José Bonifácio?
O patriarca era paulista de Santos e seu nome pertence a história, como um herói nacional. Falava seis línguas e era um mineralogista, cientista, formado também em direito e filosofia pela Universidade em Coimbra, onde depois foi ser professor. Era considerado um sábio e se tornou o “fundador do Brasil”. Tinha uma visão de futuro, pois 100 anos antes de tudo acontecer (ainda no início dos anos 1800) propunha preservar as matas e a defesa do meio ambiente, proteger os índios, abolir a escravidão, construir uma escola em cada cidade, transferir a capital do Rio de Janeiro para o planalto no centro, criar universidades, gráficas e jornais nas províncias e fortalecer a raça brasileira. Foi uma pena que as suas ideias não foram aplicadas naquela época, pois seriamos muito mais civilizados e desenvolvidos hoje. Como seu descendente, vejo essa sua grandeza a nos dar um norte e muito orgulho, porém, há que tentar viver de modo a honrar o nome dele.