Dados do Instituto Trata Brasil mostram que cerca de 6,6 milhões de crianças de até seis anos se afastam da educação e atividades sociais devido à falta de saneamento básico. A pesquisa aponta que a ausência de acesso a esse direito na infância está entre os fatores que contribuem para o desempenho escolar inferior em todas as etapas de educação, além de impactar negativamente a renda na vida adulta. No contexto profissional, essa disparidade reflete na capacidade de adquirir bens, como a casa própria, e gera uma diferença financeira significativa, superior a R$ 126 mil, entre aqueles que tiveram ou não acesso a saneamento básico durante a infância.
A pesquisa comparou dois grupos com base nos dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) de 2021: um grupo que tinha acesso à água tratada em casa e outro que não. Os estudantes sem acesso ao tratamento de água obtiveram uma média 20,9 pontos inferior em língua portuguesa em relação ao grupo com água tratada. Na avaliação de matemática, a diferença entre os dois grupos foi semelhante, com os alunos sem acesso ao saneamento básico, ficando 19,1 pontos atrás. Para discutir o assunto, o Edição do Brasil conversou com Luana Pretto, presidente-executiva do Instituto Trata Brasil.
Por que ainda temos um número alto de residências com problemas de saneamento?
Infelizmente, a infraestrutura de saneamento básico não é prioridade nos governos, sejam eles municipais ou estaduais. Os investimentos que trariam o acesso à água tratada e coleta e tratamento dos esgotos estiveram abaixo do necessário. Hoje o Brasil investe, em média, R$ 111 por ano por habitante, quando o valor deveria ser de R$ 230 para atingir as metas do Marco Legal de Saneamento.
De que forma a situação prejudica o desenvolvimento do aluno?
Quando não temos água dentro dos padrões de potabilidade exigidos pelo Ministério da Saúde, ou ainda falta de coleta e tratamento de esgoto, essa criança vai ter contato com uma série de patógenos que levam às doenças de veiculação hídrica, como dengue, esquistossomose, leptospirose e própria diarreia. Isso faz com que o menor, por exemplo, de 0 a 2 anos, tenha um problema grande de desnutrição por conta desses episódios, prejudicando muito o desenvolvimento físico, intelectual e neurológico.
Qual é o impacto psicológico e social nas famílias e como isso reflete na frequência escolar das crianças?
As crianças na primeira infância, de 0 a 6 anos, devem estar saudáveis. Quando elas possuem episódios sucessivos de doenças causadas pela falta de saneamento, precisam se ausentar para o tratamento e o desenvolvimento delas acaba sendo prejudicado. Quando entram na segunda infância, de 7 a 11 anos, terão mais dificuldades de aprender e a falta da instituição de ensino vai impactar diretamente na questão da menor escolaridade média e também na inserção no mercado de trabalho. O atraso escolar médio de quem não tem acesso ao saneamento é de 1,8 ano a menos.
Quais são as dificuldades para ampliar o serviço à população?
A maior dificuldade é o fato de os políticos não colocarem a pauta em destaque. O saneamento básico é uma obra complexa que exige um planejamento adequado e investimento alto e constante. Há diversos transtornos para fazer aquela obra acontecer. É importante que os governantes enxerguem o acesso ao saneamento como um ativo político e não como um passivo, porque a gente está falando de dar dignidade e promover uma vida melhor para uma futura geração.
Como seria possível melhorar as condições de saneamento para todas as pessoas?
Os melhores caminhos para ampliar esse serviço é conscientizar a população da importância do acesso à água tratada e coleta e tratamento de esgoto, consequentemente, provocando uma mudança no pensamento dos governantes. Eles precisam fazer uma união de esforços entre municípios e estados para ter uma viabilidade técnica e econômica, além de entenderem qual será a melhor forma de captação de recursos para universalizar o saneamento. Isso pode vir desde um financiamento nacional, internacional, busca de parcerias público-privadas e concessões, mas esse assunto precisa ser prioridade.