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Brasil registra 4 crimes de LGBTfobia por dia

Novo Superman, filho de Clark Kent, se assumiu bissexual. O gibi não agradou a conservadores e ganhou destaque na mídia | Foto: Reprodução

A LGBTfobia não está somente no xingamento, na agressão, mas também na recusa de um atendimento ou até mesmo na crítica específica a um gibi. Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostram que, no ano passado, a média foi de 4 crimes desse tipo por dia, considerando casos de lesão corporal (1.169), homicídio (121) e estupro (88) motivados por intolerância.

No último mês, duas situações ganharam destaque na mídia. A primeira foi a crítica do jogador de vôlei Maurício Souza a um gibi no qual o novo Superman, filho de Clark Kent, assume ser bissexual. “É só um desenho, não é nada demais. Vai nessa que vai ver (sic) onde vamos parar”, disse ele em suas redes sociais. A segunda foi a recusa de um salão de beleza de Belo Horizonte em atender a vereadora Duda Salabert (PDT) por dizer que atende apenas “público feminino e não homens”. No entanto, Duda é uma mulher trans.

O presidente da Associação Eternamente Sou, Luís Baron, explica que esses episódios que se tornaram públicos ilustram o que acontece frequentemente a uma pessoa LGBTQIA+. “Qualquer um de nós sofre com o preconceito desde a infância. Em um país patriarcal como o nosso, que tem parâmetros rígidos sobre o que é ser ou existir, todos os tipos de fobia podem acontecer. Isso porque se trata de questões que, além de culturais, estão no gene do nosso povo. É difícil lidar com nossas diferenças”.

Na mesma semana, a vereadora Duda Salabert (PDT) teve o atendimento negado em um salão de beleza da capital | Foto: Reprodução

Ele acrescenta que os avanços conquistados não são concretos como deveriam. “Falta evoluir. Quando falamos de pautas LGBTQIA+, precisamos lembrar que não existem legislações a respeito, apenas jurisprudências e algumas questões julgadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Isso permitiu que tivéssemos direito a união civil estável, ao casamento e a equiparar o crime de LGBTfobia ao de racismo. Mas, qualquer movimento da direita pode colocar tudo isso a perder. Falta legislar para esse grupo que representa 10% da população brasileira”.

Baron ressalta ainda que esse é um grupo que fica cada dia mais vulnerável, principalmente no atual momento em que o país vive. “Individualmente também é um cenário difícil, pois é algo que acontece com constância. E, enquanto sociedade, todos perdem, porque um país que não aprendeu a respeitar a escolha do outro é injusto e tem muito a evoluir”.

Para o coordenador do bloco LGBTQIA+ Abalo Caxi, Lujakson Alves, casos como esse abrem margem para inúmeras situações delicadas e perigosas. “Além de todo preconceito, somos vítimas de assédio. O Carnaval é um bom exemplo. Aqui, em Belo Horizonte, temos uma festa bem plural, mas existe uma permissividade que faz com que as pessoas concluam que o livre-arbítrio dá o direito de ultrapassar a liberdade do outro. E, a partir disso, podem acontecer falas preconceituosas e violência”

Lei

A advogada especializada em Direitos Humanos, Cida Vidigal, explica que a LGBTfobia é caracterizada pelo “ato ou manifestação de ódio ou rejeição a homossexuais, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais”. “Trata-se de um problema presente e constante que precisa ser enfrentado, debatido e trabalhado pelas políticas públicas. A LGBTfobia é uma aversão à sexualidade e à identidade de gênero. Na prática, isso gera crime de ódio que pode variar de lesão corporal e injúria até a morte pelo simples fato de se odiar a diferença”.

Ela acrescenta que, em 2019, o STF enquadrou a homofobia e transfobia como crime definido na Lei do Racismo, Lei 7.716/1989. “Conforme a decisão da Corte, ‘praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito em razão da orientação sexual da pessoa poderá ser considerado crime; cuja pena será de 1 a 3 anos, além de multa. No caso desse ato homofóbico ser praticado e divulgado em meios de comunicação, como publicação em rede social, a pena será de 2 a 5 anos, além de multa’”.

Sobre o post feito por Mauricio em suas redes sociais, Cida esclarece que mesmo que o comentário não tenha sido direcionado a uma pessoa especificamente, nesse episódio, há um reforço a atos de intolerância em relação a quem não se enquadra nos chamados padrões heterossociais. “A questão mais relevante é o alcance da publicação, que sob a égide de ‘liberdade de expressão’ acaba por magoar, ofender e humilhar cidadãos e cidadãs que lutam para serem respeitados”.

Para ela, a maior recriminação nesses casos de homofobia é a própria exposição pública. “No caso de Maurício, acredito que não haverá punição na esfera cível ou criminal, porém, ele não está imune da repreensão moral que o marcará como uma pessoa intolerante, uma mancha profunda e indelével”.

Cida afirma que os grupos vulneráveis têm alcançado mais visibilidade devido às redes sociais, o que é um avanço na conquista de direitos civis. “Mas, infelizmente, ainda é pouco. Se de um lado, temos as conquistas de excluídos, por outro, vemos também uma espécie de reação, muitas vezes, violenta daqueles que querem o retrocesso. Nesse sentido, a educação é o caminho mais rápido para o combate à LGBTfobia ou qualquer outra forma de intolerância”, conclui.