A pandemia trouxe inúmeras crises: econômica, sanitária e, no Brasil, política. Com as eleições de 2022 cada vez mais próximas, na internet, é possível ver uma clara divisão de lados: os que apoiam e os que se opõem ao atual governo.
Diante dessa divisão, existem as pessoas que se permitem ficar isentas de opinião. Quando se trata de figuras públicas, porém, essa neutralidade não tem sido aceita pelos brasileiros, o que tem gerado atrito até mesmo entre os famosos.
Mas será que existe, de fato, essa obrigatoriedade? Para falar sobre esse assunto, o Edição do Brasil conversou com o cientista social e político, Fábio Luporini.
O artista tem a obrigação de se posicionar publicamente? Por quê?
As pessoas só têm a obrigação de seguir e respeitar aquilo que estabelecem as regras dos grupos sociais ou instituições que frequentam. Sendo assim, ninguém é obrigado a se posicionar publicamente sobre algo, nem mesmo o artista. Entretanto, o poder de influência dele traz uma espécie de “obrigação moral” com público e a sociedade.
De onde vem essa cobrança?
Do Brasil polarizado no qual vivemos em 2021. Por isso, é elegante que o artista se expresse publicamente sem que tenha sido cobrado a isso e sem que seja cancelado ou criticado por seus posicionamentos. É preciso conseguir separar as coisas, afinal, ele é uma pessoa, embora carregue certa responsabilidade sobre o que faz e diz por ser pública.
Qual a importância do posicionamento político dessas pessoas atualmente?
Embora não seja obrigado, é importante ver um artista posicionando-se politicamente. Isso ajuda a fazer com que a arte também se torne um instrumento de consciência política e de compreensão da realidade. Senão, corremos o risco de sermos engolidos pelo famoso “pão e circo”.
Para mim, o youtuber Felipe Neto é o maior case. Ele é muito influente e cresceu criando conteúdo de entretenimento, mas, foi mudando o comportamento e assumindo uma postura mais crítica em relação à política nacional. Algo que, originalmente, não fazia. E isso faz com que o público que o acompanha passe a receber informações, deixando de estar alienado sobre o assunto e, assim, comece a formar opinião.
O mesmo aconteceu com a cantora Anitta, que começou a “meter o bedelho” na política, a conhecer sobre o tema e a se posicionar. Isso é fundamental. Ela é uma artista que atinge um público muito grande e tem força de mobilizar pessoas. E, desde que eles façam isso de forma respeitosa, é salutar para a democracia. Ajuda a fortalecer os entes que formam um país e faz as pessoas refletirem.
Muitos dizem que não se posicionar já é um posicionamento. É correto afirmar isso?
De fato, é. Como não dizer nada também. No entanto, isso não tem problema algum, compreende? Não é, necessariamente, “quem cala, consente”. O silêncio, às vezes, é muito mais eloquente que qualquer palavra.
Em tempos de cultura do cancelamento, como criar um debate saudável?
Infelizmente, a cultura do cancelamento e o véu da rede social que esconde as pessoas potencializam críticas que ultrapassam os limites do bom senso e do respeito. Está cada vez mais difícil uma relação saudável de debate. Os indivíduos, lamentavelmente, não sabem apreender o melhor que as redes sociais podem oferecer e acabam atacando uns aos outros. Mas, o que vale para o virtual é o mesmo que deveria servir para a conversa face a face: respeito, alteridade e altruísmo. Coisas que a gente deveria aprender desde criança.