A única certeza da vida é também o maior tabu da humanidade: a morte. Ninguém gosta de falar sobre ela, mas um mercado tem tentado quebrar esse silêncio com o objetivo de naturalizar as questões burocráticas que envolvem o fim da vida. De acordo com o Sindicato dos Cemitérios e Crematórios Particulares do Brasil (Sincep), o chamado mercado da finitude (end-of-life market, nos EUA) rende, anualmente, R$ 7 bilhões no Brasil. Nos EUA, a expectativa é de que esse setor movimente US$ 20 bilhões em 2020 e que, até 2027, fature US$ 42 bilhões por ano, segundo a Absolute Markets Insights.
O ramo tem como um dos pilares os serviços funerários, como assistência funeral, urnas, ornamentação, necromaquiagem, tanatopraxia, embalsamamento, etc. Essas tarefas estão ligadas diretamente a pós-morte, mas o segmento de startups de longevidade se concentra em decisões ainda em vida, como testamento, seguros, cuidados paliativos, planejamento de fim da vida, advogados especializados em sucessão. Apesar desse tipo de assistência já existir, a novidade está na tecnologia. Tudo é feito em uma plataforma on-line, que dá destino, inclusive, às contas digitais da pessoa apenas aos autorizados. “Organize as informações que sua família precisará quando você não estiver mais aqui” é a frase que se lê ao entrar em um dos sites que oferecem essas soluções, que tem um layout descomplicado e lembra ao de uma rede social. Apesar de bilionário, a pesquisa Plano de Vida & Legado, conduzida pela empresa Janno em parceria com a MindMiners, mostra que ainda há muito que avançar no setor. Segundo o levantamento, 7 em cada 10 brasileiros consideram a morte um tabu e 74% não falam sobre a questão no cotidiano. Em contrapartida, 61% dos entrevistados são abertos ao tema e dizem já ter refletido sobre a própria finitude.
Segundo o estudo, que ouviu 1.053 brasileiros com mais de 45 anos, dos que pensam sobre o assunto, 62% já sabem quais são seus desejos de fim de vida, porém, 81% não registraram estas preferências. Para Layla Vallias, fundadora de uma startup do ramo e especialista em economia prateada que estuda comportamento dos consumidores acima de 50 anos, um dos problemas é achar que somente pessoas “de posses” devem fazer o planejamento de morte. “Na realidade, todo mundo, independente de renda, deverá ter que fazer o inventário e o processo dos cemitérios ou crematórios. Dessa forma, todos deveriam fazer os preparativos, inclusive porque quem acaba sofrendo mais e em alguns casos, se endividando no processo, são aqueles com menos renda”, diz. De acordo com dados da Associação Brasileira de Empresas Funerárias e Administradoras de Planos Funerários (Abredif), o custo de um funeral completo com características padrões é, em torno, de R$ 2.066.
Segundo a especialista, o Brasil tem suas próprias particularidades sobre o tema, já que é muito associado à vitalidade. “A população ainda tem muita dificuldade em falar sobre a morte. Somos um país que valoriza a vida, a juventude e o movimento. E que, inclusive, não gosta de se planejar. Porém, não falar sobre o assunto está nos fazendo mal, já que somos também um dos piores países para morrer, gastamos muito dinheiro no fim da vida e não lidamos bem com o processo do luto. O tabu acaba afetando o mercado porque é mais difícil chegar às pessoas, porém, os maduros ou quem já viveu a dor da burocracia da finitude, sabe o quão urgente é deixar tudo organizado e realizar esse planejamento. O mais surpreendente disso é que existem sim, muitas pessoas com vontade de discutir, falar sobre o assunto e em busca de soluções para esse momento, porém que estavam em silêncio até então” acredita.
Para muitos, a pandemia de COVID-19 e o alto número de mortes foram fatores de quebra no silêncio do assunto. “O novo coronavírus colocou holofotes na finitude e trouxe o tema para a mesa do jantar. Não dá para esquivar ou fingir que não existe, o número de mortes está nas capas de jornais e na TV todas as noites. Dessa forma, muitas pessoas, que estavam deixando para tomar a decisão depois, anteciparam e estão fazendo seus testamentos e organizando seus documentos. Houve um aumento de 70% nas buscas pelo termo testamento no Google e várias famílias decidiram fazer suas doações em vida nos últimos meses”, afirma Layla.