A parceria entre a Fundação Clóvis Salgado e a Fundação Bienal de São Paulo existe desde a primeira edição do programa de itinerâncias das exposições, em 2011. Este ano, a troca de experiências entre públicos e instituições ganha mais um capítulo, com a chegada de 23 obras em um conjunto de 39 séries, criadas por mais de 20 artistas, e que estiveram na 35ª Bienal de São Paulo – coreografias do impossível.
O Palácio das Artes recebeu uma seleção, especialmente pensada para a capital mineira, que ficará disponível até o dia 15 de setembro, na Grande Galeria Alberto da Veiga Guignard, nas Galerias Arlinda Corrêa Lima, Genesco Murta e Mari’Stella Tristão e, pela primeira vez, no Hall de Entrada do Palácio das Artes, com entrada totalmente gratuita. Em destaque, as afromineiridades, os trabalhos de artistas mulheres e a potência do cinema yanomami e das artes visuais do povo Tukano.
Belo Horizonte é uma das 14 cidades (três delas no exterior) a receberem a itinerância da Bienal em 2024. A capital mineira sedia uma das maiores exposições realizadas fora do Pavilhão da Bienal de São Paulo no Ibirapuera, em sintonia com o eixo curatorial “Mundo, mundo, vasto mundo”, elaborado pela Gerência de Artes Visuais da Fundação Clóvis Salgado com base no poema “Sete Faces”, de Carlos Drummond de Andrade, e que propõe um olhar “de fora para dentro”.
Além do protagonismo feminino, a ocupação da Bienal de São Paulo no Palácio das Artes abre espaço para o talento de artistas de Minas Gerais, os quais agora têm suas obras expostas no maior complexo cultural do Estado, fechando um ciclo que, além de elementos históricos e culturais mineiros, reafirma também as vivências e experiências afro-brasileiras, como é o caso do fotógrafo Eustáquio Neves, nascido em Juatuba e residente em Diamantina, que desenvolve uma linguagem experimental marcada pela manipulação química de negativos e cópias, misturando fragmentos de diferentes imagens.
“Sempre me interessei por todas as artes e escolher as artes visuais como ferramenta de expressão foi um longo processo que veio espontaneamente. Gosto de desenho e faço isso desde a infância. Aos 23 anos, nos anos 1980, comprei a minha primeira câmera profissional que eu usava como um caderno de anotações diária para preencher os intervalos do meu trabalho como técnico químico em uma indústria de níquel no interior de Goiás. Minha formação e conhecimentos em química me permitem ousar mais nos meus processos criativos das imagens”, diz.
Suas obras abordam a identidade e memória da população negra, a partir de contextos diversos. “Parto da pesquisa, da história oral, da experiência própria, dos arquivos possíveis e a partir daí construo a minha narrativa e questionamentos. O sequestro violento de indivíduos do continente africano para serem escravizados no Brasil vem junto com um projeto de apagamento e invisibilidade desse grupo que perpetua até os dias atuais. Por isso, a falta de registros fotográficos de pessoas negras, ao longo da história, não é por acaso. Juntando isso à falta de acesso pelas difíceis condições sociais impostas já que ex-escravizados não tiveram nenhum tipo de indenização”.
Na opinião do artista, seu trabalho contribui na construção histórica da população afro- -brasileira, e também, para abrir portas a outros fotógrafos negros. “O grande número de pessoas muito jovens que compareceram nas minhas exposições, para mim foi como um fenômeno. Acredito que há uma contribuição do meu trabalho sim para essa população”.