Um estudo feito por pesquisadores ligados ao Laboratório de Ecologia Espacial e Conservação e ao Centro de Estudos Ambientais da Universidade Estadual Paulista (Unesp), mostrou que a arborização dos bairros de Belo Horizonte repete um padrão de desigualdade social. Ao mapearem mais de 250 mil árvores, foi possível analisar o acesso da população a áreas verdes e encontrar diferenças relacionadas ao poder aquisitivo.
Além disso, o ano de 2023 foi o mais quente já registrado na história, segundo a Organização Meteorológica Mundial. No último ano, a capital mineira conviveu com quatro ondas de calor. Em uma delas, em setembro, registrou a maior temperatura da sua história: 38,60 C. Sobre o tema, o Edição do Brasil conversou com o pós-doutorando da Unesp e autor principal do artigo, João Carlos Pena.
Quais as funções as árvores urbanas desempenham para o meio ambiente e para a população?
As árvores realizam uma série de funções no ambiente urbano que são importantes para a qualidade de vida da população, dentre elas estão a absorção de poluentes, o estoque de carbono, a maior absorção de água no solo, o maior conforto térmico e a beleza cênica. Como consequência, a arborização pode não só auxiliar na melhora da qualidade de vida da população, mas também reduzir a ocorrência de doenças respiratórias e cardiovasculares, gasto em energia com ar-condicionado e diminuição de enchentes e da velocidade da água de superfície.
O mal planejamento da arborização de cidades pode estar diretamente ligado às ondas de calor e aumento das temperaturas nos centros urbanos?
As ondas de calor estão diretamente ligadas às mudanças climáticas que são relacionadas a uma série de impactos humanos no planeta, dentre eles a urbanização. Acredito que cidades bem arborizadas ainda assim sofrerão com ondas de calor, mas essa arborização pode amenizar os efeitos sobre a população através dos serviços ecossistêmicos prestados por ela. Agora, o mal planejamento da arborização pode estar relacionado com maiores temperaturas em regiões urbanas. A alta concentração de superfícies expostas ao sol, como concreto e asfalto, levam a formação de bolsões de calor que podem ter diferença de 100C entre áreas arborizadas e não arborizadas.
A disponibilidade de espaços verdes em regiões em que vivem populações de menor poder aquisitivo é o que podemos chamar de racismo ambiental?
Acredito que no Brasil podemos sim considerar o acesso desigual como racismo ambiental. Como a maior parte das populações de baixa renda são formadas por pessoas pretas, elas são as que mais sofrem com as consequências dos impactos ambientais causados pelo homem, mesmo sendo as menos responsáveis pelo consumo de recursos naturais. Esse maior investimento em arborização em regiões mais ricas das cidades também é chamado de efeito do luxo. Ele é causado pelo maior investimento em áreas habitadas por famílias mais abastadas, em detrimento de regiões mais pobres.
O que pode ser feito pelo poder público para uma melhor distribuição da vegetação urbana e garantir melhores condições de vida para toda a população da cidade?
Em um primeiro momento e considerando os resultados do nosso estudo, o plantio de árvores em regiões com maiores densidades de idosos, em especial de famílias de baixa renda, seria uma forma de melhorar a qualidade de vida dessa parcela da população. O poder público pode priorizar o plantio de árvores e a construção de áreas verdes arborizadas em regiões da cidade que carecem desses elementos, especialmente aquelas habitadas por famílias de menor poder aquisitivo.
A preservação de fragmentos de vegetação nativa, especialmente em uma cidade com o território completamente urbanizado como BH, também é essencial para a manutenção da qualidade de vida da população através de aspectos como a maior absorção de água, a preservação de recursos hídricos e a absorção de poluentes. A preservação, a manutenção, a substituição e o plantio de árvores pela cidade devem ser tratados com extrema importância, assim como o planejamento da arborização precisa ser um processo interdisciplinar, com a participação de biólogos, engenheiros, arquitetos e agrônomos.