Para algumas pessoas, quando alguém se torna um idoso, ele entra na melhor idade. Confesso que não sei dizer o que pode ser essa tal de melhor idade, nem mesmo quando é que ela começa. Acabei de completar 70 anos e apesar de ser o caçula de uma família que já foi de 5 irmãos, me assusta muito chegar aos setenta.
Passei bem pelos meus cinquenta, mas comecei a sentir o peso da caminhada aos 60. Já não tinha a mesma disposição para as coisas, realmente sentia um esforço para viver. O que sobrava era responsabilidade. Hoje, qualquer problema que aflige a família, vira um drama na minha vida. Até a saúde dos pets dos meus filhos ganha espaço entre as minhas preocupações. Nas semanas que antecederam a minha entrada nos “setenta” perdi algumas noites de sono. Não sei se foi por temor da mudança que eu já enfrentava e que deveria assumir efetivamente.
Tenho o espírito roqueiro, que vai ao encontro com os meus ídolos, todos setentões, alguns ainda mais velhos, se é que é possível. Comemorei a grande data junto aos meus familiares, e “bebemorei”, bem comedido, com meus confrades “Aposentados e Perigosos”, todos nessa faixa etária. E assumi que sou setentão. Mas tudo ganha contornos dramáticos. Um idoso tem lugar garantido nos vagões do metrô. É lei. Você já tentou entrar e viajar assentado no chamado horário de pico? Todos os lugares reservados para os velhos estão sempre ocupados. Você entra, fingem que você não existe. Ninguém lhe vê. Nos ônibus intermunicipais e interestaduais existem lugares que não podem ser vendidos. São exclusivos para os idosos. Você já tentou usar esse seu direito? Tente para ver até onde seu nível de estresse vai aguentar.
Idoso recebe uma média de dez telefonemas por dia dos chamados call centers. Oferecem de tudo, inclusive dinheiro, e muitas vezes acabam nos enganando. Cidadão aposentado ganha pouco, mas acaba caindo na arapuca. Faça o inverso, tente resolver algum problema pelo telefone. Mandam apertar tantos botões e esperar tanto tempo que quando a gente consegue falar com o atendente, já gastou a capacidade de memória e nem sabe mais o que tentava realizar. Principalmente se for reclamar dos serviços de operadoras de telefonia ou de TV a cabo. O Brasil tem o pior serviço oferecido à população. E o idoso sofre para resolver.
Se os mais novos se estressam, calcule nós da “melhor idade”. Recentemente, fui comprar duas passagens para uma viagem à Europa. Cruzes, quanta dificuldade tive. Foi-se o tempo em que você via no cinema o agente James Bond, em missão na Alemanha, chegar no aeroporto e comprar uma passagem para outro continente em questão de minutos. Hoje, nem guichê tem, é tudo eletrônico. Não aceitam débito, tem que ser no cartão de crédito e de certa bandeira. E quando você acha que está tudo certo, a empresa não faz seguro para quem tem mais de 65 anos. Quando você resolve, já perdeu a passagem, precisa começar tudo de novo.
Enfim consegui, aliás, meu filho conseguiu. Mas levou 3 dias com muita insistência e paciência, coisas que se acabam ao longo da existência. Alguns serviços funcionam para a melhor idade, por exemplo, o remédio da Farmácia Popular. Com dedicação de algumas horas mensais você pode conseguir tudo que o médico receitou, depois de esperar semanas pela sua consulta. A fila das loterias também funciona. Normalmente, existe um caixa para atender só os velhinhos e as velhinhas. E olha que jogar que é bom, quase ninguém joga. É só para pagar boleto. Tudo porque é prioritário, palavra que muita gente desconhece. Mas o prioritário é viver e é isso que estou fazendo.