Riqueza nunca faltou, nem falta, às terras de Minas Gerais, um estado que, ao longo de séculos, tem abastecido os cofres do país com seus tesouros e produtos. Se assim foi durante a colonização, assim é depois da Independência do Império Português ou após a Proclamação da República. Se o ciclo do ouro e diamantes ficou no rastro da história, temos agora o ciclo do minério de ferro, lítio, nióbio, manganês, potássio e tantos outros minerais a gerar riquezas e a nos deixar com suas nefastas consequências. Ou seja, buracos, sacrifícios humanos, desastres ambientais e lamentáveis outros efeitos colaterais.
Importante registrar que sou a favor da exploração mineral, feita de tal modo que se respeite um mínimo de bom senso e equilíbrio ecológico, preservando-se a natureza e, muito mais, a vida humana. Deixo de fora, ainda, nossa riqueza humana, café, leite e tantos outros valores ativos de nossa economia. Toda esta introdução é para registrar que riqueza da terra não quer dizer riqueza de seu povo. O povo de Minas é muito “bonzinho”, como diria Kate Lyra, a moça sensual do programa humorístico do falecido Jô Soares, décadas atrás.
Após o golpe militar de 1964, os estados ficaram proibidos de buscar financiamentos internos, emissão de dívidas de seus tesouros de estado, ou externos de forma direta. Todo novo crédito só através do governo federal, com aprovação do Ministério da Fazenda e do Senado Federal. Até aí, tudo certo, a não ser pelos governadores inescrupulosos, o que nunca faltou, levarem seus estados à falência. Então, começou uma grande ciranda financeira entre a União e os Estados, sendo o Poder Central a madrasta usurária ao transferir recursos.
Tomava empréstimos internacionais a juros de determinado percentual e os transferia aos estados com ágio inescrupuloso. Ao longo do tempo, foram se elevando as dívidas dos estados, sofrendo a agiotagem descarada do Tesouro Nacional. Minas, a determinado tempo, conseguiu uma negociação menos predatória, se bem me lembro no Governo Eduardo Azeredo. Neste mesmo tempo, construímos uma dívida impagável, quanto mais pagava, mais ela crescia. Não apenas isso.
Em 1996, durante o Governo Fernando Henrique, foi criada a Lei Complementar 87, chamada Lei Kandir, nome do então Ministro do Planejamento, feita para garantir mais competitividade às commodities brasileiras no mercado mundial, tirando o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) dos estados sobre estes produtos. Ou seja, o famoso “fazer bonito com o chapéu alheio”. Lei só regulamentada dez anos depois, em 2006. Calcula-se, segundo trabalho feito pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), que deixamos de arrecadar mais de R$ 135 bilhões, o equivalente ao total da dívida nominal com a União.
Diante da perda de representação política mineira no país, seja no Executivo, Legislativo e até Judiciário, nunca conseguimos cobrar do governo central tal crédito ou compensação. Pior, vem agora a imposição da União, para a aprovação do chamado Regime de Recuperação Fiscal (RRF), com o lamentável apoio do governo estadual. Logo ele, o Executivo, que será o principal prejudicado com a perda de autonomia administrativa, passando todo poder de decisão para um conselho constituído por dois representantes do Tesouro Nacional e um de Minas Gerais. É como entregar a chave do cofre ao credor, uma espécie de intervenção ou falência branca.
Com certeza, existem inúmeras outras opções para se negociar este encontro de contas, jamais entregar a liberdade ou a autonomia de Minas Gerais a este projeto, mais parecido com uma nova versão das ações do Conde de Assumar.