O Brasil tem uma média de 13,6 casos de importunação sexual registrados por dia levados à Justiça, segundo dados compilados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). No total, foram 2.886 novos processos pelo crime entre janeiro e julho de 2022 (dados mais recentes) no Brasil todo. O assunto esteve em alta na última semana, devido ao episódio de assédio cometido pelo cantor MC Guimê e pelo lutador de jiu-jitsu Antônio “Cara de Sapato”, contra a intercambista mexicana Dania Mendez, no Big Brother Brasil. O ocorrido acabou causando a expulsão dos dois participantes do programa.
Porém, nem todos os casos são levados à justiça e tratados da forma correta. A quarta edição da pesquisa “Visível e Invisível: a Vitimização de Mulheres no Brasil”, realizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e encomendada junto ao Instituto Datafolha, mostrou que 46,7% das brasileiras foram vítimas de assédio em 2022.
Projetando este percentual para o universo da população, são 30 milhões de mulheres que sofreram algum tipo de assédio, 26,3 milhões ouviram cantadas e comentários desrespeitosos na rua (41%) ou no ambiente de trabalho (18,6% – 11,9 milhões), 8,2 milhões foram assediadas fisicamente no transporte público (12,8%) ou abordadas de maneira agressiva em uma festa (11,2% – 7,2 milhões).
Além da gravidade dos dados apresentados, preocupa ainda que a análise da série histórica indique os maiores níveis de prevalência por assédio sexual já relatado ao longo de todas as pesquisas. Comparando ao levantamento atual com os dados de 2021, o crescimento na prevalência de assédio foi de nove pontos percentuais, passando de 37,9% para 46,7%. Neste período, todas as formas de assédio listadas apresentaram crescimento.
Em relação ao perfil das vítimas, o assédio tem maior prevalência entre mulheres jovens. Na faixa etária de 16 a 24 anos, 76,1% foram vitimizadas no último ano. A medida em que avança a idade, cai a prevalência por assédio sexual.
A advogada Valéria Diniz explica que o crime de importunação sexual é quando alguém realiza um ato libidinoso na presença de outra pessoa de forma não consensual. “Ele foi criado em 2018 para penalizar ações que não se encaixavam em outros crimes sexuais. É importante frisar que é muito comum chamar de assédio qualquer tipo de violência sexual sofrida, principalmente, em ambientes públicos. No entanto, o Código Penal nomeia de formas diferentes e com penas distintas os crimes, que têm em comum o mesmo bem jurídico que é a liberdade e a dignidade sexual, além do forte caráter machista, resultado da relação de poder desigual entre homens e mulheres na sociedade. A pena prevista para o crime de importunação sexual é de um a cinco anos de prisão”.
Ela diz que esse tipo de crime é muito comum em festas, assim como ocorreu no programa. “As pessoas banalizam esse tipo de conduta, mas é importante destacar que não é só o toque físico que caracteriza a importunação sexual. Podem ser comentários vexatórios que constrangem a vítima ou propostas indecentes. E são comportamentos que acontecem rotineiramente em baladas e que, muitas vezes, não são levados a sério”.
A estudante L.S.* conta que em mais de uma ocasião foi vítima desses atos no transporte público. “Indo para faculdade ou para qualquer outro compromisso, diversas vezes já percebi olhares, além de uma vez que fui agarrada por trás por um homem bem mais velho, e quando o confrontei, ele fingiu que tinha se desequilibrado”.
Ela também relata que os episódios de assédio podem acontecer em todos os ambientes, até nos mais improváveis. “Não é muito falado, mas ao conversar com outras estudantes você escuta diversos casos vindo de professores, como toques, olhares e propostas inapropriadas”.
Para a advogada, só a existência da lei não inibe esses comportamentos. “Precisamos mudar nossa cultura, começando pela misoginia estrutural, que faz com que esses abusos contra as mulheres sejam tolerados, e que elas não sejam levadas a sério quando denunciam. Isso faz com que os homens tenham o pensamento que possuem controle sobre o nosso corpo”, conclui.