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Mortes causadas pela polícia quase triplicam nos últimos 7 anos no país

Mães e familiares de jovens negros mortos por policiais protestam contra a violência policial | Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Em 2020, o Brasil teve o maior número de pessoas mortas pela polícia desde o início do trabalho realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Os dados são coletados desde 2013 e mostram que, em 7 anos, o índice quase triplicou. É o que revela o 15º Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Segundo a análise, houve, no país, 6.416 mortes pelas polícias Civil e Militar, por agentes de folga ou em serviço. Em 2013, esse indicador era de 2.212. A violência policial parece ainda ter um perfil: homens (99%), jovens (76%) e negros (79%). Para o cientista social e político, sociólogo e antropólogo, Fábio Luporini (foto), isso é cultural. “A explicação é o racismo estrutural presente na sociedade brasileira e contra o qual é difícil lutar”.

Para cientista político, para mudar esse
cenário, é preciso investimento na educação,
saúde, emprego, moradia e alimentação. Foto: Maicon Tofalani/Divulgação

 

A que você atribui o crescimento de pessoas mortas pelas forças de segurança no Brasil?

No Brasil, elas são treinadas para matar. E isso se dá do ponto de vista físico e armamentício, mas, sobretudo, psicológico. Discursos de ódio, de morte, entre outros, fazem parte dessa realidade. Por outro lado, é preciso também considerar que, desde a ascensão de Jair Bolsonaro ao poder, isso foi potencializado. Não à toa “a arminha na mão” é símbolo de uma política de morte. O discurso bolsonarista tem traços racistas e supremacistas, além de misóginos, homofóbicos e preconceituosos, o que eleva o potencial de “autorização para matar”. E, em 2020, o mundo e o Brasil se depararam com uma pandemia, que isolou as pessoas e que fez explodir gatilhos que mexeram com a saúde mental, levando todos ao limite e potencializando atitudes extremas. Além disso, o governo ampliou a verba alocada na área de segurança. Em 2019, por exemplo, o Ministério da Defesa, que inclui Exército, Marinha e Aeronáutica, chegou a R$ 16,5 bilhões, um crescimento de 33% em relação ao ano anterior e correspondente a 29% de todo o investimento federal no período. Não que não seja necessário ou importante, mas quando se aumenta os recursos em uma área, no caso a de segurança, outras podem ficar descobertas – como saúde e educação.

A maioria das vítimas são homens. Por quê?

Não é somente uma questão de gênero, ou seja, não são apenas homens que compõem a maioria das vítimas. São também negros e jovens. E isso se explica pelo fato de a sociedade brasileira ser machista e racista, além desse grupo estar mais suscetível a situações de risco e vulnerabilidade social. Em 2001, conforme dados do Datasus, do Ministério da Saúde, 91,4% dos homicídios cometidos no país eram de homens. Trinta anos antes, esse número era de 91,8%. Ou seja, pouco variou. Certamente, se estratificarmos os dados a partir da violência policial, vamos encontrar esse reflexo.

Os dados mostram que 78,9% são negros, percentual semelhante ao de outros anos. O que esse alto número revela?

A explicação é o racismo estrutural brasileiro e contra o qual é difícil lutar quando instituições estatais reproduzem essa realidade ao invés de combatê-la. Isso mostra que as vítimas, boa parte delas sem qualquer relação com o tráfico de drogas ou com o crime, continuam mergulhadas em situações de risco ou de vulnerabilidade.

Esse tipo de intervenção policial funciona? Se existe uma estratégia, por que há vítimas? Se funcionasse, nosso país teria resolvido os problemas de segurança. Ao contrário, aprofunda os cenários de conflito social. Sendo assim, as estratégias estão invertidas. Quando a tática é apostar em armas e potencializar discursos de violência, as consequências são as mortes. Se uma sociedade investe mais em educação, saúde, emprego, moradia e alimentação, os resultados alcançados são de seguridade e paz social.

Qual poderia ser a solução para diminuir esse índice?

A desmilitarização da polícia é uma das alternativas discutidas por especialistas em segurança. Além dos investimentos em educação, saúde, emprego, moradia e alimentação em condições para que os cidadãos vivam de forma plena o acesso a seus direitos.